domingo, 23 de março de 2014

LITERATURA INFANTIL: da oralidade às mídias

Edição 939 - 22 a 28 de Março de 2014
 
 
 

Caro leitor, o tema literatura infantil e sua apropriação pelas mídias é tão intrigante, possibilitando tantas reflexões, que é possível voltar a ele em muitas colunas. Sempre me questionam se acredito que a literatura deixará de existir com as novas mídias ou se acho negativa a existência de versões que mudam o original.

O conceito "original" é polêmico, pois as narrativas eram orais, dessa forma, fica impossível afirmar qual seria o texto-base, precisaríamos de um instrumento (gravador) ou de um suporte (papel), o que não existia em época em que muitos textos, considerados literatura infantil ou texto original, foram criados. Considerei o papel, na afirmação anterior como um suporte, mas reportando (ou deturpando) alguns pesquisadores, como Chartier (Inscrever e apagar: Cultura, escrita e literatura e Aventura do livro: do leitor ao navegador) e Marshall McLuhan (Os meios de comunicação como extensões do homem), pode-se considerar o papel e o livro como mídias e, mesmo na oralidade, o corpo pode ser considerado uma mídia, daí decorrem o sucesso dos contadores de estórias que usam a voz, as mãos, a expressão como recursos, e a síntese apresentada no adágio: "quem conta um conto, aumenta um conto!"

A presença de contos, de personagens pertencentes à literatura infantil, sobretudo em livros didáticos, na mídia, torna-os acessíveis a várias crianças, por isso compete ao leitor, ou aos pais e educadores, a mediação não só com essa tipologia de texto, mas com as produções existentes, pois o discurso pode ser utilizado como mantenedor ou polemizador da realidade. Por utilizar persuasão e convencimento, um único foco pode ser tomado como uma verdade incontestável e a única versão certa, sobretudo em textos que explicitem uma moral, como as fábulas e os contos de fadas. Trabalhar com a diversidade de versões é então muito produtivo no desenvolvimento da criticidade. Deve haver só uma versão dos fatos?

Vários autores ocupam-se em revisitar textos que inicialmente pertencem à literatura infantojuvenil, mantendo e/ou ainda modificando as moralidades, os finais. É preciso lembrar que a ideologia e a mensagem presentes no discurso são produzidas por sujeitos inseridos num contexto social, e é na interação, sociedade-indivíduo (autor) e leitor-obra que a linguagem ganha significado. Cada nova criação é um convite para a leitura das versões anteriores. Um mesmo texto relido em contextos diferentes provoca diferentes leituras.

Conheci as obras de Monteiro Lobato pela escola e pela dramatização. A televisão, na minha infância, era mais acessível que os livros. Só depois, quando comecei a estudar, tive acesso aos livros, na escola. Conheci as histórias em quadrinhos na pré-adolescência e, graças à minha madrinha Elizete Roncato, professora, era assinante, porque gostava de ler e de emprestar aos seus alunos e afilhados, para estimular a leitura. Sou leitora, até hoje, dos gibis da Turma da Mônica, e encontro em várias estórias alusão a acontecimentos, personagens reais, além de narrativas que fazem referências a textos da literatura infantil, como a coleção que inclui dois almanaques dedicados à reedição de algumas dessas histórias: Mônica superestrelas e Mônica fábulas. Cada releitura que faço é realmente uma releitura, pois faço associações com novos textos e com novos temas, enxergando o que eu não percebera antes.

Atualmente há vários filmes, peças teatrais, jogos eletrônicos que tematizam os contos tradicionais. Cabe a nós professores, pais, educadores, ou "simplesmente" leitores, como incitado no início, refletir como e por que os textos permanecem ao longo do tempo, permeando as várias construções e (re)construções textuais, pois nessa relação simbiótica, a Mídia, a produção editorial, a exploração pelas artes auxiliam na difusão dos contos na mesma relação circular que faz com que esses contos sejam utilizados por pertencerem ao imaginário cultural. Continuemos imaginado!


Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br; iveteirene@gmail.com


terça-feira, 18 de março de 2014

A carnavalização da literatura


Edição 938 INTERLAGOS NEWS - 15 a 21 de Março de 2014
 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=214

Embora já tenha passado o carnaval, ainda o comentaremos aqui, sobretudo por que, na semana passada, houve o desfile das campeãs e mesmo as escolas que perderam anunciaram que  já estão se preparando para o carnaval 2015.
 Neste presente texto não teceremos as críticas que o tema também desperta, pois isso renderia um texto dissertativo sobre economia, alienação, perigos, gravidez, banheiros químicos insuficientes nos  blocos de carnaval, moradores "ilhados", por não terem sido avisados  de que haveria carnaval de rua; proximidades do sambódromo cobertas de lixo.
Trataremos desse tema aqui, mas sobre o enfoque literário. Acreditem, esse termo "carnaval, é também correspondente à literatura. Já tratamos aqui do tema intertextualidade, relação entre textos, bem como dos itens "citação", "paráfrase", "paródia", “polêmica", "estilização", que são formas como esses textos se relacionam... “Carnavalização”, mais especificamente, corresponde, segundo o teórico Affonso Romano de Sant’Anna, a “uma forma de estudar os textos literários e mesmo a cultura de um povo, procurando os efeitos cômicos e parodísticos que mostram como a comédia pode revelar alguns traços do inconsciente social”. O autor acrescenta, ainda, na mesma obra, Paródia, paráfrase & Cia que “Através do estudo das máscaras, do grotesco, do riso das antíteses entre vida e morte, religião e festa, violência e orgia, inverno e primavera, carnaval e quaresma, pode-se estudar a dialética da própria vida”.  Por isso acreditamos que nossas reflexões, que ora citam o chamado “popular”, ora citam o chamado “erudito”, sejam pertinentes, pois é possível, se não refletir sobre a literatura e sociedade, refletir sobre a vida.
Não à toa o Carnaval antecede a Quaresma como a despedida do que é proibido; não à toa a hiperbolização (exagero) dos papéis; a hiperbolização da inversão dos papéis, travestindo-se nas fantasias; não à toa a hipérbole na frase de que o ano só começa depois do Carnaval. Claro que o ano começou antes, mas a Quaresma é a retomada da sobriedade... anunciada até mesmo pelo Imposto de Renda e pela continuidade das dívidas do início do ano e das responsabilidades, que não deveriam cessar, nem no feriado.
Mas voltemos ao Carnaval, voltemos à literatura! Unamos os dois temas. Reiteremos então a carnavalização.  Não poderíamos deixar de citar as escolas de samba que, nas letras das músicas, aludiram ao tema literatura: a Acadêmicos do Tucuruvi fez uma homenagem às crianças com seus sonhos e mazelas. Além das brincadeiras do universo infantil, citou personagens do universo literário e do imaginário cultural, como Bicho-papão, castelo encantado, duendes, fadas, super-heróis. A Rosas de ouro, tratando do tema inesquecível, também alegorizou  personagens que ficaram e ficam marcados na memória de adultos e crianças, como a Turma da Mônica e o Sítio do Pica-Pau Amarelo. As alas que acompanharam a alegoria mostraram as noites do terror, referindo-se a monstros como o Drácula, lendas urbanas e até o personagem Chucky, o brinquedo assassino. O ator José Mojica Marins, que deu vida ao personagem Zé do Caixão, e vários contos de terror também fizeram parte da alegoria. O Bicho-papão também foi citado no enredo. A Pérola Negra este ano abordou o tema felicidade e, em certo momento, recorreu à literatura infantil, mais especificamente a vários tipos de felicidade, entre elas, a ala "Compramos a felicidade?" a qual trouxe integrantes fantasiados do personagem avarento Tio Patinhas, de Walt Disney, com calculadoras nas fantasias. Tal ala nos alude  que dinheiro também traz felicidade, desde que o que se queira comprar esteja à venda, não é mesmo dileto leitor? A X-9 Paulistana destacou os momentos de insanidade e de delírio que marcaram a história da humanidade. Mais uma vez, uma recorrência à literatura, por meio do Menino Maluquinho, personagem clássico, de Ziraldo e da personagem de Alice no País das Maravilhas, com um castelo de ponta-cabeça. Muita loucura, alegria e harmonia bem organizadas na avenida.
Terminamos citando a tricampeã. No ano passado, em 2013, a Mocidade Alegre trouxe os clássicos infantis para a avenida. Ao abordar o tema sedução, a escola fez inúmeras referências aos contos infantis. O Lobo Mau ficou camarada, a chapeuzinho sedutora, a bruxa boazinha. A escola de samba trouxe uma ruptura nos desfechos desses contos e foi campeã aqui em São Paulo. Neste ano, o tema, da mesma escola, foi  a fé e suas nuances, em várias alegorias. Um desfile repleto de  religiosidade e misticismo, mostrou a fé de judeus a benzedeiras.  A escola provou que a crença, com muito esforço e competência,  funciona.
O termo “alegoria”, muito presente neste artigo, também aparece como metáfora. Teremos um artigo só sobre isso, no qual retomaremos “parábolas”, “fábulas” e os símbolos culturais como Páscoa e lendas! Até lá!


Daniella Barbosa Buttler: possui doutorado pela PUC-SP e é professora no Colégio Humboldt – Deutsche Schule e no Centro Universitário SENAC
daniellabar@gmail.com.br
Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias  (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br;

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