Gazeta do BROOKLIN & CAMPO BELO
Edição 970 - 25 a 31 de Outubro de 2014p.6
Já escrevi em outras colunas
sobre o papel da leitura na transformação da vida das pessoas, como
possibilidade de vivências. Volto ao tema devido às reflexões provocadas por alguns leitores com quem troco correspondências
e de quem também sou leitora.Trocamos relatos sobre a inquietude e a satisfação
que é escrever, a audácia e a presunção
que é tentar Ser poeta em um mundo caduco!
Obras literárias
metalinguísticas já trataram do tema, Musica
ao longe é intratextual com a obra Clarissa.
Ambas, de Érico Veríssimo, têm a mesma protagonista. O título
remete a uma frase, “música ao longe”, presente
em uma das obras de Paulo Madrigal, autor favorito da Clarissa, leitora que o
idealizava, por isso ao conhecê-lo desiludiu-se.
Já outra Clarice, a
Lispector, a autora, escreveu o livro Um sopro de vida, que embora não
seja autobiográfico, por meio da ficção
acaba remetendo à temática processo criativo e vivificação das personagens.
Walcyr Carrasco
desabafou em uma crônica que sente saudades de suas personagens. Eu, como
leitora participante, fico pensando na continuação depois do ponto final: O que aconteceu às personagens?”, indago. Por
isso gosto tanto da obra Historia meio ao contrário, de Ana Maria
Machado, que começa com " E foram felizes para sempre"; tenho coletâneas de paródias, como as do livro Que história é essa?, de
Flávio de Sousa, que a apresenta contos tradicionais sob a perspectiva das
personagens secundárias.
É como se ao criar
narrativas pudéssemos criar a vida, ou como se fôssemos um psicógrafo de
narrativas, como tematizado por Fernando Pessoa. Às vezes fazemos o projeto e o
perfil das personagens e as ações são consequência desse rascunho traçado que
começa a se desenrolar. Mas e se escrevemos um relato biográfico? Transformado em ficção
torna-se um recorte emoldurado pelas costuras que tecemos à rememoração, à
reflexão, usando recursos da poeticidade, buscando o belo, mesmo que fale de
tristeza. O escritor aprende a valorizar a vida, pois nunca está só: cria personagens, recria situações,
reescreve o passado, digere o presente e poetiza o futuro.
Mesmo relatos avulsos,
como os da artista Cátia Rodrigues,
organizados no livro Janelas no tempo, apresenta
as características de escrituras literárias citadas acima. O título “janelas” sintetiza a possibilidade de abertura
mas a janela não existe no espaço geográfico, somos surpreendidos: como crônicas
interdependentes são marcações no tempo. Mesmo escrita em primeira pessoa, a
obra não é um relato pessoal, é o registro
livre de uma época e da condição humana, por isso paradoxalmente singular e
plural; marca de um tempo e atemporal. A
poeticidade está na seleção de palavras, no lirismo e, mesmo o tom subjetivo trata das questões do
coletivo, quando registra as inquietudes da multidão, no questionamento se a
internet rouba ou maximiza o tempo. Nos porquês e para quês das coisas, da
existência e dos sentimentos. Com o estilo drummondiano modernizado em O
observador no escritório, Cátia é uma observadora na rua, na escola, em
casa, em eventos... na vida.
O título desta
coluna ambíguo, encerra um paradoxo, é
uma provocação. Não acho que somente os
escritores sejam felizes, e não acredito que escritores fiquem sós. Seja escrevendo, lendo, observando a vida (alimento
de ideias), estão cercados. Escritor escreve
sobre o que sente, pressente, observa, imagina e idealiza: as palavras
ávidas por vidas registradas, fazem-lhe companhia!