sábado, 1 de novembro de 2014

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE!





Para muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a consciência da morte e a capacidade de atribuir simbologia às coisas.

Para os outros animais, a morte está associada a respostas atávicas,  justificadas pela busca da sobrevivência: o gafanhoto-fêmea  e a viúva negra alimentam-se de seus parceiros após a cópula; o leão mata os filhotes de outros machos e para estimular a fêmea a ter novo cio e descendentes seus, perpetuando os genes dele.

A morte não é só fenômeno biológico, é cultural e, para muitos, espiritual. Se quando e onde começa a vida é um questionamento polêmico, o mesmo acontece com a morte.  As religiões visam explicar e, simbólicos que somos, criamos rituais para a passagem espiritual  e para a permanência, senão do corpo, da “memória”.

O que era tematizado no Romantismo coexiste discursivamente ainda hoje. Em produções funerárias, como epitáfios, é impossível encontrar uma referência negativa à biografia. "Basta morrer para virar bonzinho!",  já ouvi de coveiros.  Os obituários de jornais  também tratam de registrar os feitos e as biografias, com matizes do estilo documental e literário.

 A expressão “não ter onde cair morto” pode ser mesmo literal, pois há mausoléus mais caros que alguns apartamentos, sobretudo pelo valor do condomínio da última morada.

Há necessidade de enterrar os mortos, por isso a busca de corpos em tragédias: o luto precisa ser vivido, precisamos dos rituais fúnebres, rápidos em algumas culturas, demorados em outras, mas existentes em todas. A dor precisa ser personificada no corpo que jaz. Mesmo a cremação, para muitos uma ação ecológica e desprendida, também é metafórica: as cinzas estarão em um lugar significativo para o ente querido.

A alegorização da morte em festas de Hallowen, em sambas-enredos, em filmes de terror-com personagens que transitam entre os chamados dois mundos- ajuda a lidar  com a tanatofobia.  Na história em quadrinhos da Maurício de Sousa produções, a Turma do Penadinho, com personagens como Muminha, Alminha, Cranicola, Frank,Lobi,  Zé Cremadinho  dona Morte, Zé Vampir, entre outros, apresenta de maneira cômica e catártica aquilo que para muitos seria mórbido.

O  medo da morte alude ao medo do esquecimento, o pavor  da finitude. O filme O preço do Amanhã figurativiza essa perspectiva.  Preocupados com o tempo restante, as personagens são aprisionadas aos dígitos integrados ao seu corpo como uma bomba-relógio e ao receio do furto do bem mais precioso. Deveria ser o contrário, e às vezes é.  Alguns doentes, certos da limitação da vida, vivem melhor; cientes da brevidade, descobrem a diferença entre o tempo cronológico e psicológico. Carpe diem passa a ser bem  interpretado: há de se aprender com a morte  a como viver, pois o que há entre  o nascimento e a morte é a vida;

A imortalidade não se restringe  aos literatos, estende-se  a todos os indivíduos, pelos feitos. Realizações rendem nome de ruas, de municípios, de instituições entre outros registros na História, na Cultura e na Geografia.

Um provérbio sintetiza: "Ninguém fica para semente". Concordo, com ressalvas pois "deixamos sementes".  Talvez o dia dedicado aos finados  exista não para ressaltar a ausência de quem se foi, mas para relembrar  sua presença genetica, ideologica, discursiva ou sentimentalmente.

Sincreticamente crio  minha metonímia particular: esses três dias, de reflexões pagãs e religiosas, são um lembrete: De que um dia não estaremos mais aqui?, você deve estar se questionando. Não, a mensagem é:  AINDA ESTAMOS AQUI!

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