Para
muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a
consciência da morte e a capacidade de atribuir simbologia às coisas.
Para os outros animais, a morte está associada a respostas
atávicas, justificadas pela busca da sobrevivência:
o gafanhoto-fêmea e a viúva negra alimentam-se
de seus parceiros após a cópula; o leão mata os filhotes de outros machos e
para estimular a fêmea a ter novo cio e descendentes seus, perpetuando os genes
dele.
A morte não é só fenômeno biológico, é cultural e, para muitos,
espiritual. Se quando e onde começa a vida é um questionamento polêmico, o
mesmo acontece com a morte. As religiões
visam explicar e, simbólicos que somos, criamos rituais para a passagem
espiritual e para a permanência, senão
do corpo, da “memória”.
O que era tematizado no Romantismo coexiste discursivamente
ainda hoje. Em produções funerárias, como epitáfios, é impossível encontrar uma
referência negativa à biografia. "Basta morrer para virar bonzinho!", já ouvi de coveiros. Os obituários de jornais também tratam de registrar os feitos e as
biografias, com matizes do estilo documental e literário.
A expressão “não ter onde
cair morto” pode ser mesmo literal, pois há mausoléus mais caros que alguns
apartamentos, sobretudo pelo valor do condomínio da última morada.
Há necessidade de enterrar os mortos, por isso a busca de corpos
em tragédias: o luto precisa ser vivido, precisamos dos rituais fúnebres,
rápidos em algumas culturas, demorados em outras, mas existentes em todas. A
dor precisa ser personificada no corpo que jaz. Mesmo a cremação, para muitos
uma ação ecológica e desprendida, também é metafórica: as cinzas estarão em um
lugar significativo para o ente querido.
A alegorização da morte em festas de Hallowen, em sambas-enredos,
em filmes de terror-com personagens que transitam entre os chamados dois
mundos- ajuda a lidar com a
tanatofobia. Na história em quadrinhos
da Maurício de Sousa produções, a Turma do Penadinho, com personagens
como Muminha, Alminha, Cranicola, Frank,Lobi,
Zé Cremadinho dona Morte, Zé Vampir, entre outros, apresenta
de maneira cômica e catártica aquilo que para muitos seria mórbido.
O medo da morte alude ao
medo do esquecimento, o pavor da
finitude. O filme O preço do Amanhã figurativiza essa perspectiva. Preocupados com o tempo restante, as
personagens são aprisionadas aos dígitos integrados ao seu corpo como uma
bomba-relógio e ao receio do furto do bem mais precioso. Deveria ser o
contrário, e às vezes é. Alguns doentes,
certos da limitação da vida, vivem melhor; cientes da brevidade, descobrem a
diferença entre o tempo cronológico e psicológico. Carpe diem
passa a ser bem
interpretado: há de se aprender com a morte a como viver, pois o que há entre o nascimento e a morte é a vida;
A imortalidade não se restringe
aos literatos, estende-se a todos
os indivíduos, pelos feitos. Realizações rendem nome de ruas, de municípios, de
instituições entre outros registros na História, na Cultura e na Geografia.
Um provérbio sintetiza: "Ninguém fica para semente". Concordo,
com ressalvas pois "deixamos sementes". Talvez o dia dedicado aos finados exista não para ressaltar a ausência de quem
se foi, mas para relembrar sua presença
genetica, ideologica, discursiva ou sentimentalmente.
Sincreticamente crio
minha metonímia particular: esses três dias, de reflexões pagãs e
religiosas, são um lembrete: De que um dia não estaremos mais aqui?, você deve
estar se questionando. Não, a mensagem é: AINDA ESTAMOS AQUI!
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