segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Fábulas de Monteiro Lobato: fabulosas versões à moral.


fonte:http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196
 
Caros leitores, a proposta dessa coluna é continuarmos nosso passeio pelas fábulas e pelo tema literatura infantil. E não se pode pensar em literatura para crianças sem citar Monteiro Lobato. Embora ele também tenha escrito obras para adultos, como Urupês, Negrinha e O presidente negro, que ainda hoje provocam polêmicas e reflexões, há consenso, resumido na perífrase “Monteiro Lobato, pai da literatura infantil brasileira”, fazendo que se associe, inclusive, a data de seu aniversário, 18 de abril, ao dia do livro.
Como autor de literatura infantil consagrou-se por criar personagens e estórias próximas das expectativas e “necessidades” das crianças, cujas aventuras são lidas até hoje e ganham adaptações à linguagem teatral, televisiva e até cibernética.
A obra Fábulas,escrita em 1922, foco de nossa análise, é a segunda obra infantojuvenil do autor e explicita a concretização do projeto de Monteiro Lobato de tornar acessível às crianças estórias consagradas, não só pela adequação da linguagem mas por apresentar personagens com as quais as crianças se identifiquem. Em correspondência a Godofredo Rangel, escritor e amigo, podemos constatar a opinião de Lobato sobre as traduções das fábulas, consideradas por ele “apenas moitas e amora do mato-espinhentas e impenetráveis”.  Com o objetivo de torná-las mais atraentes havia pensado num fabulário nosso, com bichos daqui, em vez dos exóticos e assim “vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, em prosa e mexendo com as moralidades”.
      As personagens lobatianas, aquelas já apresentadas na obra A menina do nariz arrebitado, obra anterior e inaugural de Monteiro Lobato interagem indiretamente com as personagens criadas por Esopo e La Fontaine em suas estórias. Comentei na coluna anterior que o livro Fábulas inicia-se com a comparação  entre a formiga boa e a formiga má. Há metalinguagem na discussão sobre o próprio gênero transparecida no comentário de Emília sobre a inexistência de formigas más e a explicação de dona Benta dizendo que as fábulas não eram lições de História Natural, mas de Moral. A interdiscursividade, ou seja, relação entre os discursos e assuntos, ocorre pela retomada temática: várias fábulas serão figurativizações, ou seja, novas situações sobre os mesmos temas. A maneira como os textos são apresentados possibilita uma  discussão sobre a cristalização de conceitos e papel da moralidade como reflexo da sociedade e como mantenedora de ideologias. A criação de versões da mesma fábula ou de textos contrastantes já propõe uma leitura crítica desse gênero literário. Emília com seus comentários, de certa forma, convida o leitor a rever conceitos já enraizados, ou pelo menos conhecer outros pontos de vista.
     Fábulas é uma narrativa que pode ser lida em uma “sentada só” ou como novela literária, já que cada fábula pode ser lida separadamente. Ao apresentar suas versões de fábulas demonstrando que há pontos de vista diferentes, Monteiro Lobato suscita à liberdade de expressão e de leituras interpretativas. As personagens decidem rasgar e jogar fora as fábulas de que não gostam.  Pedrinho diz que muitas são a sabedoria popular e por isso precisa de tempo para digeri-las e “se não valem de muita coisa, valem por serem curtinhas”. Na opinião de Narizinho, as fábulas são  sabidíssimas, e embora preste-se atenção à fala dos animais, são as moralidades que ficam na memória. Já Emília as considera uma indireta às pessoas. Visconde, usando a retórica caracterizadora de sua personagem, teoriza que as fábulas mostram apenas duas coisas: que o mundo é dos fortes, e que o único meio de derrotar a força é a astúcia. Com esse comentário Visconde faz referência às fábulas que têm como “pano de fundo”a crítica social.
 O sítio do picapau amarelo, cenário dos enredos, lugar utópico de discussões, transpassa os limites espaciais do imaginário e das páginas do livro e se concretiza na leitura, na criticidade do leitor e nas ações do sujeito que ao ler a obra e tomar conhecimento do acervo herdado decide redescobri-lo ou reinventá-lo. E assim a fábula, mais que reflexo da moralidade, como texto, provoca reflexão. Por isso tão fabulosa, como diria Millôr Fernandes, nosso próximo autor comentado.
Edição 2752 - 15 a 21 de Fevereiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196 (p.12)

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