sábado, 22 de novembro de 2014

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!


Prometi não falar de política, e não vou falar. Meu foco serão algumas expressões e termos falados durante a campanha eleitoral. Uma das palavras mote da campanha foi "mudança", cujos sinônimos podem ser alteração ou modificação. Deduzo: falavam de uma alternância das personagens na presidência, jamais de mudança ou renovação. Outro mote foi a existência de uma terceira via de governo, todavia, ressalto, os candidatos eram os mesmos;
      Algumas pastas estão sempre como prioridade discursiva, mas nem sempre legislativa e executiva. Outro discurso emblemático é "a mudança se faz nas urnas", como uma única chance e único período para envolvimento dos cidadãos com a eleição. O processo político é contínuo, portanto, tanto a atuação do representante quanto a do povo deve ser constante e reavaliada, não no final do mandato, mas durante, sobretudo para confrontar os discursos que muitas vezes se anulam: quando candidato, enumera-se os problemas da má gestão do antecessor, mostrando-se capaz de resolvê-los. Já no cargo, usa-os como álibi para justificar a incapacidade de boa gestão e resolução dos problemas que se dizia capaz de resolver. Desculpe se generalizo, mas não é uma hipótese infundada, confronte os discursos, caro leitor, como aquelas fotos do "antes" e do "depois".
       Mas não é só nesse contexto que as palavras são gris. Fiquei inquietada com o filme Jogos Mortais, em uma cena, o sociopata justifica sua ira com um representante de seguradora de saúde afirmando: "essas empresas não cuidam nem da saúde nem da doença!" Vou além, desculpe-me se generalizo, mas nunca vi efetivamente uma ação política para a saúde, muito menos para o doente. Visar à saúde implica propiciar uma vida qualitativa, por isso engloba outras pastas: educação, desenvolvimento urbano, segurança, saneamento, acesso ao básico e ao essencial não para a sobrevida, mas para a vida. E não adianta considerar a ascensão social como uma conquista pessoal, que o cidadão deve de maneira individual buscar o seu desenvolvimento. Como na matemática, os indivíduos podem até ter, embora digam o contrário, valor relativo e valor absoluto, mas, em sociedade, problemas individuais refletem no coletivo e problemas sociais refletem no indivíduo. Doença, violência, trânsito, só para apresentar exemplos verossímeis, não respeitam limites geográficos determinados por ruas ou bairros.
 
 
    Mas não é só no contexto político que palavras são usadas de maneira imprecisa. Os termos "fidelidade" e "lealdade", muito discutidos à luz da modernidade dos relacionamentos ganham matizes: ao refletir com um amigo sobre o livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman, ele ousou definir de maneira lúdica e irônica: "fidelidade é , apesar da vontade, não trair a confiança" e " lealdade é, avisar da possibilidade inevitável da traição". Outra palavra mal utilizada no contexto amoroso é "companheirismo", remetendo ao desejo de ter uma pessoa na caminhada da vida. Grosso modo, queremos uma pessoa que nos siga, compactuando com os nossos projetos, mas sem a devida reciprocidade, pois ceder, mudar é difícil. Desejamos que o outro seja como idealizamos e, preferencialmente, que sejamos o que ele idealiza, para que assim não proponha a alteração da rota traçada para o percurso da vida ou da nossa personalidade. Desejamos que o outro mude, mas quando somos cobrados a mudar, dizemos em tom determinante: "Sou assim mesmo"!
       Há outras antíteses nos discursos: "Ser pai é maravilhoso!" e "Não sei o que faço com meu filho!"; " Amo os filhos igualmente!" e " Cada um é de um jeito!"; "Você é meu único amor!" e " Esse é o meu terceiro cônjuge"!; "Sem ele eu não viveria!" e "Matou-o porque não podia viver sem ele!" Está bem, caro leitor, talvez não sejam antíteses e sim ambivalências. Melhor, talvez expressem o desejo da verossimilhança: o amor textualizado nas músicas românticas, o beijo matinal apaixonado encenado num filme, a esperança de um futuro melhor materializada no filho que nasce, a chance de recomeço projetada no novo ano, a crença do final feliz no relacionamento iniciado, o sonho das solução dos problemas financeiros na escolha dos números da loteria.
        Penso: as palavras mais imprecisas e camaleões são "ilusão" e "desilusão". Se iludir-se é deixar-se enganar, alienar-se... é também sonhar, ter esperanças. Nessa acepção, desiludir-se seria uma pena, pois a lucidez às vezes é uma luz que nos cega. A literatura paradoxalmente nos ilude e desilude: na metaforização da vida, aprisiona e liberta. Lemos só, mas temos a companhia das personagens, ela nos faz pensar e nos provoca a agir. Como ficção ou biografia aponta para outras realidades possíveis e passíveis.

sábado, 1 de novembro de 2014

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE!





Para muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a consciência da morte e a capacidade de atribuir simbologia às coisas.

Para os outros animais, a morte está associada a respostas atávicas,  justificadas pela busca da sobrevivência: o gafanhoto-fêmea  e a viúva negra alimentam-se de seus parceiros após a cópula; o leão mata os filhotes de outros machos e para estimular a fêmea a ter novo cio e descendentes seus, perpetuando os genes dele.

A morte não é só fenômeno biológico, é cultural e, para muitos, espiritual. Se quando e onde começa a vida é um questionamento polêmico, o mesmo acontece com a morte.  As religiões visam explicar e, simbólicos que somos, criamos rituais para a passagem espiritual  e para a permanência, senão do corpo, da “memória”.

O que era tematizado no Romantismo coexiste discursivamente ainda hoje. Em produções funerárias, como epitáfios, é impossível encontrar uma referência negativa à biografia. "Basta morrer para virar bonzinho!",  já ouvi de coveiros.  Os obituários de jornais  também tratam de registrar os feitos e as biografias, com matizes do estilo documental e literário.

 A expressão “não ter onde cair morto” pode ser mesmo literal, pois há mausoléus mais caros que alguns apartamentos, sobretudo pelo valor do condomínio da última morada.

Há necessidade de enterrar os mortos, por isso a busca de corpos em tragédias: o luto precisa ser vivido, precisamos dos rituais fúnebres, rápidos em algumas culturas, demorados em outras, mas existentes em todas. A dor precisa ser personificada no corpo que jaz. Mesmo a cremação, para muitos uma ação ecológica e desprendida, também é metafórica: as cinzas estarão em um lugar significativo para o ente querido.

A alegorização da morte em festas de Hallowen, em sambas-enredos, em filmes de terror-com personagens que transitam entre os chamados dois mundos- ajuda a lidar  com a tanatofobia.  Na história em quadrinhos da Maurício de Sousa produções, a Turma do Penadinho, com personagens como Muminha, Alminha, Cranicola, Frank,Lobi,  Zé Cremadinho  dona Morte, Zé Vampir, entre outros, apresenta de maneira cômica e catártica aquilo que para muitos seria mórbido.

O  medo da morte alude ao medo do esquecimento, o pavor  da finitude. O filme O preço do Amanhã figurativiza essa perspectiva.  Preocupados com o tempo restante, as personagens são aprisionadas aos dígitos integrados ao seu corpo como uma bomba-relógio e ao receio do furto do bem mais precioso. Deveria ser o contrário, e às vezes é.  Alguns doentes, certos da limitação da vida, vivem melhor; cientes da brevidade, descobrem a diferença entre o tempo cronológico e psicológico. Carpe diem passa a ser bem  interpretado: há de se aprender com a morte  a como viver, pois o que há entre  o nascimento e a morte é a vida;

A imortalidade não se restringe  aos literatos, estende-se  a todos os indivíduos, pelos feitos. Realizações rendem nome de ruas, de municípios, de instituições entre outros registros na História, na Cultura e na Geografia.

Um provérbio sintetiza: "Ninguém fica para semente". Concordo, com ressalvas pois "deixamos sementes".  Talvez o dia dedicado aos finados  exista não para ressaltar a ausência de quem se foi, mas para relembrar  sua presença genetica, ideologica, discursiva ou sentimentalmente.

Sincreticamente crio  minha metonímia particular: esses três dias, de reflexões pagãs e religiosas, são um lembrete: De que um dia não estaremos mais aqui?, você deve estar se questionando. Não, a mensagem é:  AINDA ESTAMOS AQUI!

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