sábado, 24 de agosto de 2013

crônica VIDA DE CÃO?

 
 
 
Retomo aqui as minhas origens como colunista de jornal: abordarei mais questões linguísticas que literárias, embora haja uma intersecção entre ambas. Comecei em novembro com a Coluna Em dia com a língua,  em que  pretendia abordar questões de linguagem, sobretudo linguagem verbal e norma culta, mas como eu afirmei, alguns conceitos estão inerentes às duas áreas: “intertextualidade”, por exemplo. Pesquisando depois sobre a expressão a qual se tornara o  nome da coluna, deparei-me com a existência de um livro com o mesmo nome. É a questão de autenticidade e plágio abordada na crônica Reescritas e releituras. Lendo nas férias de julho crônicas de autores dos quais eu gosto, deparei-me com uma crônica intitulada “O nome das coisas”, de Deonisio da Silva, no livro  A língua nossa de cada dia. Meu Deus, o mesmo nome de minha última crônica sob o título da coluna Em dia com a língua! Reforço, a inocência, defendo a coincidência de pensamentos, a interdiscursividade presente ao se escrever sobre temas correlatos.
Mas você leitor deve estar se perguntando sobre o título  desta crônica. O que isso tem a ver com vida de cão? Motivada pela  questão de intertextualidade, fiquei pensando nas expressões que repetimos e nem sabemos mais a autoria ou não nos damos conta do significado. Pensei em tudo isso assistindo a programas sobre animais domésticos, sobretudo sob a influência de meu marido que é fotógrafo e tem se especializado em fotografar animais. Poderia ser uma crônica sobre afetividade, vida doméstica, relação homem-animal, e é tudo isso, pois os exemplos resumirão essas relações.
Séculos atrás, ou mais recentemente, décadas atrás, dizer que se tinha uma vida de cão conotava uma vida sofrida.  O dicionário Houaiss registra o sentido metafórico de cão como “pessoa muito má, vil” , sem deixar de citar associação ao termo “diabo”, muitas  vezes ressaltado na expressão “cão dos infernos”. Uma personagem de uma novela usava a expressão “vira-lata” para se referir a pessoas que não pertencia ao núcleo socioeconômico e cultural da personagem “com pedigree”.
Mais atualmente, os cães têm se tornando mais próximos aos humanos, ganhando afeto e despertando afeto nos humanos. A sociedade mudou, muitos têm podido humanizar os seus animais, à revelia de alguns. Na década de 80, por exemplo, o  Rock das cachorras incitava:    “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. Nos anos noventas, a TV Colosso substituiu o programa da Xuxa; Nesta década, temos horários reservados aos programas sobre animais, revistas especializadas, e serviços específicos, antes destinados só aos humanos.  Ou seja, o ramo que  mais cresce é reacionado aos pets; sim, outra questão linguística: o termo está incorporando e cito página “fotopet.com.br”. Por isso “vida de cão” pode significar, hoje, uma vida invejável.
Os animais sempre estiveram no imaginário cultural e linguístico: “Ele é um gato!”, “idade da loba”, coruja como símbolo de  sabedoria, dois pombos como símbolo de amor,  os pinguins como símbolo da família, borboleta como símbolo da mudança...  Nem sempre os símbolos são positivos, por exemplo: hiena, cigarra, tartaruga, vaca, galinha, burro, asno, porco, cobra, macaco, anta, paca, entre outros, são muitas vezes associações  vilipendiosas.
Eu trabalharei  com as fábulas em meu mestrado, considero-as mais que metáforas,  destaco as relações metonímicas, pois associamos por um aspecto dentre vários existentes no animal. Por isso gosto tanto das paródias, pois elas apresentam e polemizam outros aspectos . No poema Sem barra, José Paulo Paes destaca: “Mas sem a cantiga / da cigarra/ que distrai da fadiga,/ seria uma barra/ o trabalho da formiga.” Nas  inúmeras versões de Chapeuzinho vermelho e o lobo o enredo, e o próprio título,  propõem outras reflexões  Chapeuzinho e o lobo guará.; Chapeuzinho vermelho e lobo não tão mau assim; Chapezinho vermelho politicamente correto;  Outras obras também suscitam reflexões sobre a relação homem-animal ou mesmo homem-homem, como o filme O planeta dos macacos ou os livros A revolução dos bichos de  George Orwell e Os saltimbancos, de Chico Buarque, prosopopeias. 
Gosto, ainda, hábito de infância, de referir-me a pessoas por uma característica que as identifique, pois nem todos os meus amigos se conhecem pessoalmente e, confesso, às vezes é por uma associação a um animal. Claro que em tempo em que a língua deve ser politicamente correta, sempre me preocupo com o tal bullying. Ana Grasi,  por exemplo, é identificada em meu discurso como Ana Jabuti, pois tenho várias amigas “Anas”.  Ana Jabuti,  como eu, adora os quelônios e, em meio às discussões sobre a revolução tecnológica, pois ela é doutora em Ciência da Computação, divagamos sobre o nosso estimado animal. Não enxergamos neles a lerdeza da qual falam,  desejamos ter vida longa como eles, e carregar a casa nas costas...
 
Edição 2730 - 24 a 30 de agosto de 2013

Nenhum comentário:

Postagens populares