Retomo
aqui as minhas origens como colunista de jornal: abordarei mais questões
linguísticas que literárias, embora haja uma intersecção entre ambas. Comecei
em novembro com a Coluna Em dia com a
língua, em que pretendia abordar questões de linguagem,
sobretudo linguagem verbal e norma culta, mas como eu afirmei, alguns conceitos
estão inerentes às duas áreas: “intertextualidade”, por exemplo. Pesquisando
depois sobre a expressão a qual se tornara o
nome da coluna, deparei-me com a existência de um livro com o mesmo
nome. É a questão de autenticidade e plágio abordada na crônica Reescritas e releituras. Lendo nas
férias de julho crônicas de autores dos quais eu gosto, deparei-me com uma
crônica intitulada “O nome das coisas”, de Deonisio da Silva, no livro A
língua nossa de cada dia. Meu Deus, o mesmo nome de minha
última crônica sob o título da coluna Em dia com a língua! Reforço, a
inocência, defendo a coincidência de pensamentos, a interdiscursividade
presente ao se escrever sobre temas correlatos.
Mas você leitor deve estar se
perguntando sobre o título desta
crônica. O que isso tem a ver com vida de cão? Motivada pela questão de intertextualidade, fiquei pensando
nas expressões que repetimos e nem sabemos mais a autoria ou não nos damos
conta do significado. Pensei em tudo isso assistindo a programas sobre animais
domésticos, sobretudo sob a influência de meu marido que é fotógrafo e tem se
especializado em fotografar animais. Poderia ser uma crônica sobre afetividade,
vida doméstica, relação homem-animal, e é tudo isso, pois os exemplos resumirão
essas relações.
Séculos atrás, ou mais recentemente,
décadas atrás, dizer que se tinha uma vida de cão conotava uma vida sofrida. O dicionário Houaiss registra o sentido metafórico de cão como “pessoa muito má, vil” , sem deixar de citar associação ao
termo “diabo”, muitas vezes ressaltado na
expressão “cão dos infernos”. Uma personagem de uma novela usava a expressão
“vira-lata” para se referir a pessoas que não pertencia ao núcleo
socioeconômico e cultural da personagem “com pedigree”.
Mais atualmente, os cães têm
se tornando mais próximos aos humanos, ganhando afeto e despertando afeto nos
humanos. A sociedade mudou, muitos têm podido humanizar os seus animais, à revelia
de alguns. Na década de 80, por exemplo, o
Rock das cachorras incitava: “Troque
seu cachorro por uma criança pobre”. Nos anos noventas, a TV Colosso substituiu o programa da Xuxa; Nesta década, temos
horários reservados aos programas sobre animais, revistas especializadas, e
serviços específicos, antes destinados só aos humanos.
Ou
seja, o ramo que mais cresce é
reacionado aos pets; sim, outra questão linguística: o termo está incorporando
e cito página “fotopet.com.br”. Por isso “vida de cão” pode significar, hoje, uma
vida invejável.
Os animais sempre estiveram
no imaginário cultural e linguístico: “Ele é um gato!”, “idade da loba”, coruja
como símbolo de sabedoria, dois pombos
como símbolo de amor, os pinguins como
símbolo da família, borboleta como símbolo da mudança... Nem sempre os
símbolos são positivos, por exemplo: hiena, cigarra, tartaruga, vaca, galinha,
burro, asno, porco, cobra, macaco, anta, paca, entre outros, são muitas vezes
associações vilipendiosas.
Eu trabalharei com as fábulas em meu mestrado, considero-as
mais que metáforas, destaco as relações
metonímicas, pois associamos por um aspecto dentre vários existentes no animal.
Por isso gosto tanto das paródias, pois elas apresentam e polemizam outros
aspectos . No poema Sem barra, José
Paulo Paes destaca: “Mas sem a cantiga / da cigarra/ que distrai da fadiga,/ seria
uma barra/ o trabalho da formiga.” Nas inúmeras versões de Chapeuzinho vermelho e o lobo o enredo, e o próprio título, propõem outras reflexões Chapeuzinho
e o lobo guará.; Chapeuzinho vermelho
e lobo não tão mau assim; Chapezinho vermelho politicamente correto; Outras obras também
suscitam reflexões sobre a relação homem-animal ou mesmo homem-homem, como o
filme O planeta dos macacos ou
os livros A revolução dos bichos
de George Orwell e Os saltimbancos, de Chico Buarque, prosopopeias.
Gosto, ainda, hábito de
infância, de referir-me a pessoas por uma característica que as identifique,
pois nem todos os meus amigos se conhecem pessoalmente e, confesso, às vezes é
por uma associação a um animal. Claro que em tempo em que a língua deve ser
politicamente correta, sempre me preocupo com o tal bullying. Ana Grasi, por exemplo, é
identificada em meu discurso como Ana Jabuti, pois tenho várias amigas
“Anas”. Ana Jabuti, como eu, adora os quelônios e, em meio às
discussões sobre a revolução tecnológica, pois ela é doutora em Ciência da
Computação, divagamos sobre o nosso estimado animal. Não enxergamos neles a
lerdeza da qual falam, desejamos ter vida
longa como eles, e carregar a casa nas costas...
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