TREINANDO A LÍNGUA!
Dos sons às letras das palavras
Caro
leitor, nessa segunda coluna, focalizarei o assunto “fonema”, “som das letras”.
Em alguns momentos será necessário usar termos técnicos, mas traduzirei
metalinguisticamente, ou seja, utilizarei outras palavras para explicá-los.
Como prometi na coluna anterior, apresentarei como exemplos músicas, poesias,
programas, cenas de novelas... Acredito que seja importante usar os dois esteios, o tradicional e o novo- ora um
exemplo atual, popular, ora obras menos conhecidas por não estarem tão
presentes na mídia- com o objetivo de que vejamos as diferenças e ampliemos
nosso conhecimento.
Quando comecei a rascunhar o texto, ouvi, ao sintonizar
uma rádio, uma música de Belchior, relacionada indiretamente ao tema aqui
proposto. Belchior é na expressão de uma música sua: aquele "rapaz
latino-americano”. Outra música dele, Como nossos pais, ficou muito famosa
na voz de Elis Regina, e continua com letra que registra bem a realidade atual,
pois mesmo com mudanças, "ainda somos os mesmos e vivemos como os
nossos pais”. Outro trecho dessa composição soa como um trocadilho: “Não
quero lhe falar\ Meu grande amor\Das coisas que aprendi\Nos discos...”.
Interessante como nosso cérebro e nossos sentidos nos traem: até a adolescência
cantava “que aprendi nos livros”, pois para mim, até aquela época, a
aprendizagem estava associada às letras impressas. Apenas no Magistério pude
estender o conceito de leitura, conhecendo a teoria do educador Paulo Freire
suscitada na expressão "a leitura de mundo precede a leitura de
palavras". Tive também, enquanto cursava no CEFAM, Centro Específico de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério,
a extensão do conceito de “comunicação”, com a definição de língua como
uma forma de linguagem, portanto, uma forma de comunicação, mas não a única; há
também linguagem não verbal, ou seja, é possível ler também gestos, cores,
sons, formas, entre outros elementos que mesmo com outra função também nos
permitem comunicar.
Mas voltemos à música do Belchior e outro trecho que eu
também cantava errado: “Você pode até dizer\ Que eu estou por fora\ Ou então\
Que eu estou enganando...\ Mas é você\ Que ama o passado\ E que não vê \Que
o novo sempre vem...”. Sempre cantei
que “você que anda ultrapassado”.
Mas não são apenas as músicas que confundem os ouvidos, há exemplos clássicos
de como o uso transformou algumas palavras e expressões: "Quem tem boca
vai a Roma" é, para alguns falantes, "Quem tem boca vaia Roma";
"Cuspida e escarrada" era na verdade "Esculpida e
encarnada"; “Batatinha quando nasce...” Complete... “espalha ramas pelo chão!”
Outras expressões sofreram aglutinações na pronúncia: "em boa hora"
tornou-se "embora"; "plano alto" tornou-se
"planalto".
A
língua, sendo manifestação cultural, sofre também influência social, e não
estou me referindo apenas aos sotaques, mas à existência de certos fonemas. Por
que associamos que japonês não pronuncia "carro", com o "r"
forte? Na verdade a dificuldade em falar uma segunda
língua está na comparação com a língua materna.
Não há língua fácil ou difícil, mas diferente. Belchior, cujas
composições foram escolhidas como exemplo, tem uma música intitulada Num
país feliz, cujo trecho "E
o índio ia indo, inocente e nu\ Sem rei, sem lei, sem mais, ao som do
sol", de certa forma retoma o Tratado
descritivo do Brasil em 1587,
redigido pelo cronista Gabriel Soares de Sousa. Os portugueses
associavam a partir do seu ponto de vista cultural que os índios não tinham
lei, nem fé, nem rei, por não terem as letras\grafemas L, R e F e os sons\fonemas. Os índios não
tinham mesmo suas leis, seus reis e sua fé?
Em se
tratando de língua devem ser levadas em consideração as diferenças culturais, analisando
o contexto comunicativo. E na língua escrita, foco de próximas colunas, é
preciso não confundir "letra" com "som", pois uma letra
pode representar sons diferentes e vice-versa. Leia em voz alta essas palavras,
observando, sobretudo, as letras grifadas: "máximo","exame", tóxico", "exceto",
"xale", "chalé","zebra"...
Quem já não ficou em dúvida como escrevê-las ou pronunciá-las? Os olhos e a boca (quando não a cabeça)
também nos traem, ainda mais quando os termos são homônimos ou parônimos. Até a
próxima!
fonte: Jornal INTERATIVO/FEVEREIRO 2014 p.10
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