quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crônica-aula: DOS SONS ÀS LETRAS DAS PALAVRAS


 
TREINANDO A LÍNGUA! 
Dos sons às letras das palavras
Caro leitor, nessa segunda coluna, focalizarei o assunto “fonema”, “som das letras”. Em alguns momentos será necessário usar termos técnicos, mas traduzirei metalinguisticamente, ou seja, utilizarei outras palavras para explicá-los. Como prometi na coluna anterior, apresentarei como exemplos músicas, poesias, programas, cenas de novelas... Acredito que seja importante usar  os dois esteios, o tradicional e o novo- ora um exemplo atual, popular, ora obras menos conhecidas por não estarem tão presentes na mídia- com o objetivo de que vejamos as diferenças e ampliemos nosso conhecimento.
Quando comecei a rascunhar o texto, ouvi, ao sintonizar uma rádio, uma música de Belchior, relacionada indiretamente ao tema aqui proposto. Belchior é na expressão de uma música sua: aquele "rapaz latino-americano”. Outra música dele, Como nossos pais, ficou muito famosa na voz de Elis Regina, e continua com letra que registra bem a realidade atual, pois mesmo com mudanças, "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Outro trecho dessa composição soa como um trocadilho: “Não quero lhe falar\ Meu grande amor\Das coisas que aprendi\Nos discos...”. Interessante como nosso cérebro e nossos sentidos nos traem: até a adolescência cantava “que aprendi nos livros”, pois para mim, até aquela época, a aprendizagem estava associada às letras impressas. Apenas no Magistério pude estender o conceito de leitura, conhecendo a teoria do educador Paulo Freire suscitada na expressão "a leitura de mundo precede a leitura de palavras". Tive também, enquanto cursava no CEFAM, Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério,  a extensão do conceito de “comunicação”, com a definição de língua como uma forma de linguagem, portanto, uma forma de comunicação, mas não a única; há também linguagem não verbal, ou seja, é possível ler também gestos, cores, sons, formas, entre outros elementos que mesmo com outra função também nos permitem comunicar.
Mas voltemos à música do Belchior e outro trecho que eu também cantava errado: “Você pode até dizer\ Que eu estou por fora\ Ou então\ Que eu estou enganando...\ Mas é você\ Que ama o passado\ E que não vê \Que o novo sempre vem...”.  Sempre cantei que “você que anda ultrapassado”. Mas não são apenas as músicas que confundem os ouvidos, há exemplos clássicos de como o uso transformou algumas palavras e expressões: "Quem tem boca vai a Roma" é, para alguns falantes, "Quem tem boca vaia Roma"; "Cuspida e escarrada" era na verdade "Esculpida e encarnada"; “Batatinha quando nasce...” Complete... “espalha ramas pelo chão!” Outras expressões sofreram aglutinações na pronúncia: "em boa hora" tornou-se "embora"; "plano alto" tornou-se "planalto".
A língua, sendo manifestação cultural, sofre também influência social, e não estou me referindo apenas aos sotaques, mas à existência de certos fonemas. Por que associamos que japonês não pronuncia "carro", com o "r" forte?  Na verdade a dificuldade em falar uma segunda língua está na comparação com a língua materna.  Não há língua fácil ou difícil, mas diferente. Belchior, cujas composições foram escolhidas como exemplo, tem uma música intitulada Num país feliz, cujo  trecho "E o índio ia indo, inocente e nu\ Sem rei, sem lei, sem mais, ao som do sol", de certa forma retoma o Tratado descritivo do Brasil em 1587, redigido pelo cronista Gabriel Soares de Sousa. Os portugueses associavam a partir do seu ponto de vista cultural que os índios não tinham lei, nem fé, nem rei, por não terem as letras\grafemas L, R e F e os sons\fonemas. Os índios não tinham mesmo suas leis, seus reis e sua fé?
Em se tratando de língua devem ser levadas em consideração as diferenças culturais, analisando o contexto comunicativo. E na língua escrita, foco de próximas colunas, é preciso não confundir "letra" com "som", pois uma letra pode representar sons diferentes e vice-versa. Leia em voz alta essas palavras, observando, sobretudo, as letras grifadas: "máximo","exame", tóxico", "exceto", "xale", "chalé","zebra"... Quem já não ficou em dúvida como escrevê-las ou pronunciá-las?  Os olhos e a boca (quando não a cabeça) também nos traem, ainda mais quando os termos são homônimos ou parônimos. Até a próxima!
fonte: Jornal INTERATIVO/FEVEREIRO 2014 p.10


Nenhum comentário:

Postagens populares