sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Só (vírgula) o escritor é feliz!







Gazeta  do BROOKLIN & CAMPO BELO
 Edição 970 - 25 a 31 de Outubro de 2014p.6



Já escrevi em outras colunas sobre o papel da leitura na transformação da vida das pessoas, como possibilidade de vivências. Volto ao tema devido às reflexões provocadas  por  alguns leitores com quem troco correspondências e de quem também sou leitora.Trocamos relatos sobre a inquietude e a satisfação que é escrever, a audácia e a presunção que é tentar Ser poeta em um mundo caduco!
Obras literárias metalinguísticas já trataram do tema, Musica ao longe  é intratextual com a obra Clarissa. Ambas, de Érico Veríssimo, têm a mesma protagonista. O título remete a uma frase, “música ao longe”,  presente em uma das obras de Paulo Madrigal, autor favorito da Clarissa, leitora que o idealizava, por isso ao conhecê-lo desiludiu-se.
Já outra Clarice, a Lispector, a autora, escreveu o livro Um sopro de vida, que embora não seja  autobiográfico, por meio da ficção acaba remetendo à temática processo criativo e vivificação das personagens.
Walcyr Carrasco desabafou em uma crônica que sente saudades de suas personagens. Eu, como leitora participante, fico pensando na continuação depois do ponto final:  O que aconteceu às personagens?”, indago. Por isso gosto tanto da obra Historia meio ao contrário, de Ana Maria Machado, que começa com " E foram felizes para sempre";  tenho coletâneas de paródias,  como as do livro Que história é essa?, de Flávio de Sousa, que a apresenta contos tradicionais sob a perspectiva das personagens secundárias.
É como se ao criar narrativas pudéssemos criar a vida, ou como se fôssemos um psicógrafo de narrativas, como tematizado por Fernando Pessoa. Às vezes fazemos o projeto e o perfil das personagens e as ações são consequência desse rascunho traçado que começa a se desenrolar. Mas e se escrevemos  um relato biográfico? Transformado em ficção torna-se um recorte emoldurado pelas costuras que tecemos à rememoração, à reflexão, usando recursos da poeticidade, buscando o belo, mesmo que fale de tristeza. O escritor aprende a valorizar a vida, pois nunca está  só: cria personagens, recria situações, reescreve o passado, digere o presente e poetiza o futuro.
Mesmo relatos avulsos, como os da artista  Cátia Rodrigues, organizados no livro Janelas no tempo, apresenta as características de escrituras literárias citadas acima. O  título “janelas” sintetiza a possibilidade de abertura mas a janela não existe no espaço geográfico, somos surpreendidos: como crônicas interdependentes são marcações no tempo. Mesmo escrita em primeira pessoa, a obra  não é um relato pessoal, é o registro livre de uma época e da condição humana, por isso paradoxalmente singular e plural; marca de um tempo e atemporal.  A poeticidade está na seleção de palavras, no lirismo e,  mesmo o tom subjetivo trata das questões do coletivo, quando registra as inquietudes da multidão, no questionamento se a internet rouba ou maximiza o tempo. Nos porquês e para quês das coisas, da existência e dos sentimentos. Com o estilo drummondiano modernizado em O observador no escritório, Cátia é uma observadora na rua, na escola, em casa, em eventos... na vida.
O título desta coluna ambíguo, encerra um paradoxo,  é uma provocação.  Não acho que somente os escritores sejam felizes, e não acredito que escritores fiquem sós.  Seja escrevendo, lendo, observando a vida (alimento de ideias), estão cercados. Escritor escreve   sobre o que sente, pressente, observa, imagina e idealiza: as palavras ávidas por vidas registradas, fazem-lhe companhia!







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