sábado, 18 de janeiro de 2014

artigo Literatura infantil: só para crianças?

 
LITERATURA INFANTIL. SÓ PARA CRIANÇAS?

Um questionamento constante, seja no meio acadêmico, pedagógico, familiar e até midiático, é sobre a adjetivação “infantil” presente na expressão “literatura infantil”. Há muitas formas de se abordar um texto ou uma produção cultural, e isto ocorre, por extensão, com os contos de fadas e outras produções destinadas ao ou adotadas pelo e para o público infantil. Tema polêmico, seja no que se refere às suas origens, seja na forma de tomá-la para estudos, seja na sua utilização: para leitura fruição, utilização didática, artística, terapêutica. Joana Cavalcanti, em Caminhos da literatura infantil e juvenil/dinâmicas e vivências na ação pedagógica, resume que há várias teorias que versam sobre os contos de fadas e suas origens.
            Há pesquisas linguísticas, sociológicas e psicanalíticas que numa perspectiva interdisciplinar ora se polemizam, ora se complementam. Enfatizaremos, aqui, a abordagem psicanalítica, como os contos de fadas e maravilhosos podem falar ao inconsciente. Segundo, ainda, Cavalcanti, “a criança iniciada no mundo da leitura é alguém que pode ampliar sua visão do outro, que pode adentrar no universo do simbólico e construir para si uma realidade mais carregada de sentido.” Mas o mais interessante é constatar as revisitações em obras não necessariamente para crianças. Comentemos algumas:
           O filme As mil e uma noites  apresenta numa de suas cenas iniciais o seguinte diálogo entre o contador e a Sherazade: “Essa gente fica horas só te ouvindo”, “É que eles precisam mais de estórias que de pão, elas nos ensinam porque viver e como viver”. Os contos respondem às inquietudes e possibilitam o equilíbrio interior, todavia englobam a interpretação literária e literal. São as narrativas que em As mil e uma noites libertam Shariar e por consequência as mulheres e o povo. Shariar encontra nas narrativas a tranqüilidade psicológica e a exemplaridade. O mesmo acontece no filme Inteligência Artificial: a personagem principal, um robô, encontra na história de Pinóquio inspiração e esperanças para sua vida.
         Em outra produção cinematográfica, Novo pesadelo, o retorno de Freddy Krueger, uma criança, filho da atriz que estrelara vários filmes da série A hora do pesadelo, mata o Freddy (esse filme é metalinguístico, pois tematiza que o Freddy, ficção para as personagens, na verdade era real e se alimentava dos filmes produzidos). Em várias cenas noturnas aparece a mãe contando a narrativa João e Maria. Quando começava a narrar o episódio da bruxa, a mãe sempre ameaçava parar, todavia, a criança pedia para que fosse ao fim, pois a criança precisava saber que a bruxa morreria no final. Em uma análise psicanalítica do filme, podemos considerar nessa cena a necessidade de entrar em contato com a problemática na narrativa, mas também com a solução. Segundo Amarilis Pavoni, em seu livro Os contos e os mitos no ensino: uma abordagem junguiana, “não é conveniente contar às crianças histórias cujo final não seja feliz. Elas precisam travar no inconsciente uma luta feroz, mas, para vencerem, é necessário que cumpram o ciclo: medo/ luta/ vitória, problema/ a busca da solução etc.”
         O final do filme é como no conto João e Maria: a criança mata o Freddy: indo ao universo dos pesadelos e deixando as cápsulas de sonífero para que a mãe saiba o caminho. Ao entrar num depósito cheio de fornos, como Maria, se esconde ao fundo e quando Freddy entra, o menino sai correndo e o prende deixando “o monstro” morrer queimado. Freddy pode ser a simbologia do próprio inconsciente, uma vez que ele representa o temido e projeta para cada indivíduo (personagem do filme) o pesadelo que ele mais temia, subtraindo ainda as pessoas, as coisas que o indivíduo mais desejava. Matar o monstro significava libertar-se, vencer a si mesmo.
          Vencer os desafios, ajudados ou não, é uma temática presente em várias narrativas clássicas. Talvez por isso (hipótese para outros artigos) alguns textos bíblicos tenham virado estórias e livros, que lidos mesmo sem o cunho religioso, falam ao indivíduo fortalecendo-o para sua caminhada existencial. Continuemos!
Edição 2749 - 18 a 24 de Janeiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=179

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