quinta-feira, 31 de julho de 2014
domingo, 27 de julho de 2014
Não meta fora as metáforas!
Edição 2776 (26.07 a 01.08.2014)
Existem alguns livros, ou imagens, que funcionam como chave para despertar a lembrança de um fato ou de alguém. Impossível, nas férias, não olhar os meus álbuns e não pensar na viagem que fiz ao Chile, e não pensar nas minhas buscas mais literárias: a compra dos menores livros que tenho, entre eles O pequeno príncipe, do tamanho de uma caixa de fósforos, e a visita à casa de Pablo Neruda.
Impossível não pensar nesse autor e não me lembrar do filme O carteiro e o poeta e não querer assisti-lo novamente. Impossível não assisti-lo e não pensar na pesquisadora Mara Sophia Zanotto. Não, caro leitor, ela não é uma pesquisadora de literatura chilena, mas de metáforas, e por extensão, de poesias, embora metáforas não se restrinjam ao discurso literário. Exemplifico em uma digressão oportuna: Quem nunca disse as expressões "Fulano está de braços cruzados", "Ele anda de cabeça baixa", "Estava atrasado, vim voando", " Fiquei de cabelo em pé com o que ouvi", "Ela é uma mão-de-vaca!?"
Mesmo expressões já cristalizadas, nem percebidas como termos figurados, ou seja, não-literais, podem ser considerados como metáforas ou mais especificamente catacrese: "engatar o carro", "céu da boca", "batata da perna", "dente de alho", "braço da cadeira"...
No filme O carteiro e o poeta, baseado no livro de Antonio Skármeta , ao carteiro que se torna seu fã e amigo, Pablo Neruda numa conversa explica a função da metáfora:
"Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra. (...) Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?" e Marcos responde: "Ora, fácil! Que está chovendo, ué!"
A personagem parece não aceitar o termo técnico "E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?" mas em outro trecho diz identificar-se com a poesia de Neruda, como se sentisse aquilo sugerido na poesia, mas não conseguisse dizê-lo tão bem como o autor. E talvez essa seja a função da metáfora, sugerir o indizível, pode haver um nome técnico para "maçã do rosto", por exemplo, mas é tão mais poético assim dizê-lo.
A professora Mara (doce, ao contrário do que esse radical sugere) não é poeta, mas propõe, em suas pesquisas, como trabalhar a interpretação de poesias, com um técnica "Pensar alto em grupo". Não quer dizer que tudo que "enxergamos" em uma poesia é aceitável, para a leitura ser válida, deve ser justificada com elementos do próprio texto, ou a partir do texto, mas aquela pergunta presente em vários questionários: "o que o autor quis dizer no trecho x ?" é indevida, pois, embora seja validada ou não pelo texto, não se encerra na validação do escritor. Quantas vezes lemos um texto de própria autoria e nem nos lembramos das motivações ao escrevê-lo? Não quer dizer que o texto não continue tendo sentido.
Retomando o livro / filme O carteiro e o poeta, citemos o carteiro Marcos, que poetiza a apropriação que os leitores fazem de um texto: "A poesia não pertence a quem a escreve, mas a quem precisa dela".
A poesia não é só o que está escrito, mas o que lemos dela. Outra passagem do livro/filme significativa para mim é "o mundo inteiro é metáfora para outra coisa qualquer", ou seja, há poesia na vida, se enxergamos; e vida na poesia, se a lermos. A poesia, e por extensão o texto literário, é uma forma de explicar, registrar e sentir a vida pois, como sucinta o educador Paulo Freire, "a leitura de mundo precede a leitura das palavras!" e acrescentamos: se complementam e se ressignificam!
sexta-feira, 18 de julho de 2014
JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!
Edição 2760 - 05 a 11 de
Abril de 2014 p.5
Já comentei sobre
José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto
muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao
contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer",
para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em
seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa
autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora
não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o
local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria,
possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O
grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se
tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da
escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de
leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e
prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão
diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta:
"Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de
lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não
teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de
casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo,
antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade
aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do
Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato",
revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em
As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha
sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para
cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O
laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as
leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu
encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a
bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte
de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do
trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na
vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua
vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a
qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de
Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia
não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem
a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos
ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de
seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem
publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do
seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas,
numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste
coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que
compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva
, sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois
mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna
esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se
definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor
como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado
nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a
cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna
à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se
esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como
voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não
pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de
vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com
a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a
narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta
querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser
poetas!
sábado, 5 de julho de 2014
Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
Caros leitores, vocês sabem de meus interesses lingüísticos. Como professora de Língua portuguesa, interesso-me pela magia das palavras presentes no discurso sob suas várias roupagens, dentre elas a poeticidade da literatura. Já revelei também minha paixão pela família e pelo lirismo que é acompanhar o desenvolvimento de um ser ética e moralmente. Comentarei aqui o tema "madrinha", pois esse termo embora seja constantemente associado à questão religiosa, em cerimônias de batismo, casamento e formatura, está relacionado também à literatura: A casa da madrinha, de Ligia Bonjuga é uma dessas obras, além dos contos com fadas ou outras personagens adjuvantes que ajudam o protagonista.
Para mim que não tenho irmãos, sim sou órfã fraterna, só restou o papel de prima, e acho que seria restritivo ser chamada genericamente de tia. Que bom que a vida deu um jeito de unir pessoas e possibilitou um outro traço à concepção de família: as amizades, e tornei-me madrinha, tomei crianças como aFILHadas, talvez como o mais perto que pudesse ser de mãe e de fada, inspirada nas pessoas que foram importantes para mim como madrinhas.
Eu tive uma madrinha oficializada em cerimônia religiosa, a Madrinha Edinete, da qual ganhei a primeira boneca de pano e o Surileia Mãe Monstrinha, de Eva Furnari, que muito me ajudou a aprender a dividir a mãe e compreender a necessidade de minha mãe trabalhar fora. Tive várias fadas madrinhas, Elizete Roncato que me ensinou tantos dos valores morais éticos que hoje tenho e me ensinou a sonhar , patrocinando os primeiros materiais escolares, as primeiras idas a cinema, as assinaturas de jornais. Zélia Borges, que mais que minha orientadora foi minha fada madrinha pois acreditou em mim em apenas uma conversa sobre a paixão por Monteiro Lobato. E se tornou parte da minha vida.
Tenho, há 20 anos acompanhado a trajetória de alguns seres que, como disse, tomei como afilhados e aí criei a intertextualidade com outro conto : Branca de neve e os sete afilhadinhos, embora estivesse mais para palhaça, pois em festas familiares e na Fundação Marcio Eduardo Barone Brandão, onde era madrinha voluntária, fazia animações de palhaça, ora com meus primos, ora com meu amigo Jaime. Meus afilhados, agora adolescentes, Bianca, Agnes, Thaíse, Kauê, Jeisy, Douglas e outros que adotei sem o vínculo religioso (Lucas, Rafael, Beatriz, Pâmela, Paloma, Pepê, Marina, Juninho, Gabriela, Vanessa, Andressa ) eram meus álibis para os filmes infantis.
De certa forma, seja madrinha pelo aspecto religioso cristão, seja pelo símbolo pagão presente nos contos de fadas, madrinha é aquela que está ao lado, como fada, se não para realizar os desejos, para ajudar na concretização dos objetivos e na caminhada da vida.
Abraço, agora, a nova geração, e sou abraçada por eles, aumentando a corrente familiar: Gustavo, Manuela, Sophia, Ester, Arthur, Ana Luiza, Pedrinho, entre outros. Afirmo sempre: não fiquei para titia, fiquei para madrinha, no doce papel de inventar e viver histórias de afetos.
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