Edição 2760 - 05 a 11 de
Abril de 2014 p.5
Já comentei sobre
José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto
muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao
contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer",
para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em
seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa
autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora
não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o
local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria,
possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O
grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se
tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da
escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de
leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e
prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão
diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta:
"Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de
lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não
teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de
casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo,
antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade
aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do
Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato",
revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em
As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha
sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para
cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O
laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as
leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu
encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a
bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte
de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do
trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na
vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua
vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a
qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de
Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia
não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem
a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos
ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de
seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem
publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do
seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas,
numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste
coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que
compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva
, sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois
mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna
esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se
definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor
como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado
nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a
cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna
à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se
esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como
voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não
pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de
vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com
a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a
narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta
querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser
poetas!
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