sábado, 26 de abril de 2014

Para onde as ondas do rádio me levam!

 
Cresci ouvindo o rádio, devido à influência dos meus pais. E cresci no sentido metafórico e literal. Dependendo do turno da escola, acompanhava os programas durante um ano, como novelas, ou como jornais. Digo que cresci metaforicamente porque parte do meu interesse como amante das narrativas se deu por ouvir as narrativas de cartas, as histórias biográficas: quadros como o Que saudade de você!, do Eli Correia; De Coração para coração, de Paulo Lopes; e os desabafos das amigasouvintes de Paulo Barbosa.

Não eram só as histórias que me interessavam, mas também o que tornava a narrativa sedutora: a maneira envolvente de tecer o fio da trama,, criando o clímax e o suspense; o lirismo de transformar um relato em uma homenagem; mesmo uma história comum, era instigante para muitos ouvintes, que se identificavam naqueles vieses emprestados da experiência do outro. Algumas cartas relatadas no programa Eli Correia até viraram livro e outras histórias com tons de terror e misticismo ganharam encenação em programas de TV.

Reforço: não era a história em si, mas a maneira de narrar, as escolhas de palavras, a condução da narrativa que causava a repercussão entre os ouvintes. E como eram narrativas orais, a maneira do locutor impulsionar a voz, fazer as pausas, fazer as repetições, alongar a palavra, imitar os barulhos, era o que me envolvia. Gil Gomes é imortalizado como um ícone das histórias de crimes, de lendas urbanas, de casos enigmáticos. Confesso, gostava dos medos que eu sentia, de histórias que pareciam inacreditáveis de tanta maldade impregnada na trama.Eu preferia acreditar que eram mesmo ficção.

Ouvia também os programas dedicados a músicas românticas, programas que se encerravam com relatos de histórias de amor. Também achava interessantes as reconstruções da narrativa que tornavam as histórias emocionantes fazendo crer que os tais contos de fadas e contos de amor não faziam parte apenas da literatura, mas também de documentários e de biografias. Eu e minha prima Lu ficamos horas conversando sobre o que escutávamos e projetando como seria o futuro.

Como eu já relatei em outra crônica, na infância, o meu acesso a livros era limitado,e mesmo a televisão tinha os horários definidos devido às tarefas domésticas. Os programas de debates, sobretudo do Paulo Lopes, ajudaram na minha formação crítica, pois apresentavam pontos de vista diferentes e discutiam os temas contemporâneos, com participantes especialistas nos temas, mas também dando voz ao ouvinte. Hoje ouço os programas nos arquivos dos sites das rádios e, em um dia, consigo ouvir meses e meses dos quadros.

Ainda ouço rádio, sobretudo no trânsito, mas agora ao encontro de músicas. Digo ao encontro de músicas, porque, como brinco, são as músicas que nos escolhem, surpreendentemente. É fácil, com tanta tecnologia, selecionar as músicas que se quer ouvir: estão quase todas lá na internet, senão nos pendrives ou nos cds. Ouvir a rádio não é selecionar a música, é ser escolhido. Quantas vezes vezes, não fui resgatada por uma música da infância, e abduzida pelas memórias...?

Uma música me levou ao encontro de uma cena esquecida. Foi uma música dessas que me fez lembrar das experiências de infância e adolescência (uma"leitura" da vida por meio do rádio) e me despertou a vontade, naquele momento, de sintonizar o rádio no AM e reencontrar também os radialistas que ainda fazem companhia, do bom-dia ao boa-noite, à dona Irene, minha mãe.



domingo, 13 de abril de 2014

Ainda sobre sons e melodias!


TREINANDO A LÍNGUA!

Ainda sobre letras e melodias
É comum quando questionados quantas letras há  no alfabeto, respondermos 23. Mas com a reforma ortográfica, o "k", "y" e "w" são considerados pertencentes ao nosso alfabeto, totalizando 26 letras. E por falar do termo “alfabeto”, esse nome é a junção do nome de duas letras gregas "alfa" e "beta", correspondentes ao nosso "a" e "b". Na verdade, temos influência de outras culturas, mas a origem de nossa língua é a latina, como o espanhol, o italiano, o francês e o romeno, por isso é mais fácil aprendê-las (e confundi-las) pela similaridade da origem.
            Na década de 90 uma música fez muito sucesso, nas versões em espanhol, Amores Extraños,de  Laura Pausini;  em italiano, foi interpretada por Renato Russo,  Strani Amori , e  em português tornou-se Amores estranhos, interpretada por Jayne. Outra versão, a interpretada por Andressa, foi trilha sonora da novela Anjo de mim. A existência de várias versões remete a outra discussão: não há tradução perfeita, há adaptações culturais, sobretudo em música para manter o ritmo e mesmo a expressividade do sentimento. Mas voltemos a tratar de alfabeto, de letras e de fonemas, incitados pela música ABC do sertão:" Lá no meu sertão pros caboclo lê/Têm que aprender outro ABC (...)/Na escola é engraçado ouvir-se tanto "ê"/A, bê, cê, dê,/ Fê, guê, lê, mê,/ Nê, pê, quê, rê, /Tê, vê e Zê".
            Letra é diferente de fonema e nome da letra é diferente do nome do fonema. Todo fonema consoante é lido como "ê" (som aberto). É aos fonemas que Luiz  Gonzaga, rei do baião,poeticamente se refere.
 

sábado, 5 de abril de 2014

JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!

 
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
 
Caro leitor, já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!
 
 

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