sábado, 22 de novembro de 2014

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!


Prometi não falar de política, e não vou falar. Meu foco serão algumas expressões e termos falados durante a campanha eleitoral. Uma das palavras mote da campanha foi "mudança", cujos sinônimos podem ser alteração ou modificação. Deduzo: falavam de uma alternância das personagens na presidência, jamais de mudança ou renovação. Outro mote foi a existência de uma terceira via de governo, todavia, ressalto, os candidatos eram os mesmos;
      Algumas pastas estão sempre como prioridade discursiva, mas nem sempre legislativa e executiva. Outro discurso emblemático é "a mudança se faz nas urnas", como uma única chance e único período para envolvimento dos cidadãos com a eleição. O processo político é contínuo, portanto, tanto a atuação do representante quanto a do povo deve ser constante e reavaliada, não no final do mandato, mas durante, sobretudo para confrontar os discursos que muitas vezes se anulam: quando candidato, enumera-se os problemas da má gestão do antecessor, mostrando-se capaz de resolvê-los. Já no cargo, usa-os como álibi para justificar a incapacidade de boa gestão e resolução dos problemas que se dizia capaz de resolver. Desculpe se generalizo, mas não é uma hipótese infundada, confronte os discursos, caro leitor, como aquelas fotos do "antes" e do "depois".
       Mas não é só nesse contexto que as palavras são gris. Fiquei inquietada com o filme Jogos Mortais, em uma cena, o sociopata justifica sua ira com um representante de seguradora de saúde afirmando: "essas empresas não cuidam nem da saúde nem da doença!" Vou além, desculpe-me se generalizo, mas nunca vi efetivamente uma ação política para a saúde, muito menos para o doente. Visar à saúde implica propiciar uma vida qualitativa, por isso engloba outras pastas: educação, desenvolvimento urbano, segurança, saneamento, acesso ao básico e ao essencial não para a sobrevida, mas para a vida. E não adianta considerar a ascensão social como uma conquista pessoal, que o cidadão deve de maneira individual buscar o seu desenvolvimento. Como na matemática, os indivíduos podem até ter, embora digam o contrário, valor relativo e valor absoluto, mas, em sociedade, problemas individuais refletem no coletivo e problemas sociais refletem no indivíduo. Doença, violência, trânsito, só para apresentar exemplos verossímeis, não respeitam limites geográficos determinados por ruas ou bairros.
 
 
    Mas não é só no contexto político que palavras são usadas de maneira imprecisa. Os termos "fidelidade" e "lealdade", muito discutidos à luz da modernidade dos relacionamentos ganham matizes: ao refletir com um amigo sobre o livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman, ele ousou definir de maneira lúdica e irônica: "fidelidade é , apesar da vontade, não trair a confiança" e " lealdade é, avisar da possibilidade inevitável da traição". Outra palavra mal utilizada no contexto amoroso é "companheirismo", remetendo ao desejo de ter uma pessoa na caminhada da vida. Grosso modo, queremos uma pessoa que nos siga, compactuando com os nossos projetos, mas sem a devida reciprocidade, pois ceder, mudar é difícil. Desejamos que o outro seja como idealizamos e, preferencialmente, que sejamos o que ele idealiza, para que assim não proponha a alteração da rota traçada para o percurso da vida ou da nossa personalidade. Desejamos que o outro mude, mas quando somos cobrados a mudar, dizemos em tom determinante: "Sou assim mesmo"!
       Há outras antíteses nos discursos: "Ser pai é maravilhoso!" e "Não sei o que faço com meu filho!"; " Amo os filhos igualmente!" e " Cada um é de um jeito!"; "Você é meu único amor!" e " Esse é o meu terceiro cônjuge"!; "Sem ele eu não viveria!" e "Matou-o porque não podia viver sem ele!" Está bem, caro leitor, talvez não sejam antíteses e sim ambivalências. Melhor, talvez expressem o desejo da verossimilhança: o amor textualizado nas músicas românticas, o beijo matinal apaixonado encenado num filme, a esperança de um futuro melhor materializada no filho que nasce, a chance de recomeço projetada no novo ano, a crença do final feliz no relacionamento iniciado, o sonho das solução dos problemas financeiros na escolha dos números da loteria.
        Penso: as palavras mais imprecisas e camaleões são "ilusão" e "desilusão". Se iludir-se é deixar-se enganar, alienar-se... é também sonhar, ter esperanças. Nessa acepção, desiludir-se seria uma pena, pois a lucidez às vezes é uma luz que nos cega. A literatura paradoxalmente nos ilude e desilude: na metaforização da vida, aprisiona e liberta. Lemos só, mas temos a companhia das personagens, ela nos faz pensar e nos provoca a agir. Como ficção ou biografia aponta para outras realidades possíveis e passíveis.

sábado, 1 de novembro de 2014

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE!





Para muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a consciência da morte e a capacidade de atribuir simbologia às coisas.

Para os outros animais, a morte está associada a respostas atávicas,  justificadas pela busca da sobrevivência: o gafanhoto-fêmea  e a viúva negra alimentam-se de seus parceiros após a cópula; o leão mata os filhotes de outros machos e para estimular a fêmea a ter novo cio e descendentes seus, perpetuando os genes dele.

A morte não é só fenômeno biológico, é cultural e, para muitos, espiritual. Se quando e onde começa a vida é um questionamento polêmico, o mesmo acontece com a morte.  As religiões visam explicar e, simbólicos que somos, criamos rituais para a passagem espiritual  e para a permanência, senão do corpo, da “memória”.

O que era tematizado no Romantismo coexiste discursivamente ainda hoje. Em produções funerárias, como epitáfios, é impossível encontrar uma referência negativa à biografia. "Basta morrer para virar bonzinho!",  já ouvi de coveiros.  Os obituários de jornais  também tratam de registrar os feitos e as biografias, com matizes do estilo documental e literário.

 A expressão “não ter onde cair morto” pode ser mesmo literal, pois há mausoléus mais caros que alguns apartamentos, sobretudo pelo valor do condomínio da última morada.

Há necessidade de enterrar os mortos, por isso a busca de corpos em tragédias: o luto precisa ser vivido, precisamos dos rituais fúnebres, rápidos em algumas culturas, demorados em outras, mas existentes em todas. A dor precisa ser personificada no corpo que jaz. Mesmo a cremação, para muitos uma ação ecológica e desprendida, também é metafórica: as cinzas estarão em um lugar significativo para o ente querido.

A alegorização da morte em festas de Hallowen, em sambas-enredos, em filmes de terror-com personagens que transitam entre os chamados dois mundos- ajuda a lidar  com a tanatofobia.  Na história em quadrinhos da Maurício de Sousa produções, a Turma do Penadinho, com personagens como Muminha, Alminha, Cranicola, Frank,Lobi,  Zé Cremadinho  dona Morte, Zé Vampir, entre outros, apresenta de maneira cômica e catártica aquilo que para muitos seria mórbido.

O  medo da morte alude ao medo do esquecimento, o pavor  da finitude. O filme O preço do Amanhã figurativiza essa perspectiva.  Preocupados com o tempo restante, as personagens são aprisionadas aos dígitos integrados ao seu corpo como uma bomba-relógio e ao receio do furto do bem mais precioso. Deveria ser o contrário, e às vezes é.  Alguns doentes, certos da limitação da vida, vivem melhor; cientes da brevidade, descobrem a diferença entre o tempo cronológico e psicológico. Carpe diem passa a ser bem  interpretado: há de se aprender com a morte  a como viver, pois o que há entre  o nascimento e a morte é a vida;

A imortalidade não se restringe  aos literatos, estende-se  a todos os indivíduos, pelos feitos. Realizações rendem nome de ruas, de municípios, de instituições entre outros registros na História, na Cultura e na Geografia.

Um provérbio sintetiza: "Ninguém fica para semente". Concordo, com ressalvas pois "deixamos sementes".  Talvez o dia dedicado aos finados  exista não para ressaltar a ausência de quem se foi, mas para relembrar  sua presença genetica, ideologica, discursiva ou sentimentalmente.

Sincreticamente crio  minha metonímia particular: esses três dias, de reflexões pagãs e religiosas, são um lembrete: De que um dia não estaremos mais aqui?, você deve estar se questionando. Não, a mensagem é:  AINDA ESTAMOS AQUI!

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Só (vírgula) o escritor é feliz!







Gazeta  do BROOKLIN & CAMPO BELO
 Edição 970 - 25 a 31 de Outubro de 2014p.6



Já escrevi em outras colunas sobre o papel da leitura na transformação da vida das pessoas, como possibilidade de vivências. Volto ao tema devido às reflexões provocadas  por  alguns leitores com quem troco correspondências e de quem também sou leitora.Trocamos relatos sobre a inquietude e a satisfação que é escrever, a audácia e a presunção que é tentar Ser poeta em um mundo caduco!
Obras literárias metalinguísticas já trataram do tema, Musica ao longe  é intratextual com a obra Clarissa. Ambas, de Érico Veríssimo, têm a mesma protagonista. O título remete a uma frase, “música ao longe”,  presente em uma das obras de Paulo Madrigal, autor favorito da Clarissa, leitora que o idealizava, por isso ao conhecê-lo desiludiu-se.
Já outra Clarice, a Lispector, a autora, escreveu o livro Um sopro de vida, que embora não seja  autobiográfico, por meio da ficção acaba remetendo à temática processo criativo e vivificação das personagens.
Walcyr Carrasco desabafou em uma crônica que sente saudades de suas personagens. Eu, como leitora participante, fico pensando na continuação depois do ponto final:  O que aconteceu às personagens?”, indago. Por isso gosto tanto da obra Historia meio ao contrário, de Ana Maria Machado, que começa com " E foram felizes para sempre";  tenho coletâneas de paródias,  como as do livro Que história é essa?, de Flávio de Sousa, que a apresenta contos tradicionais sob a perspectiva das personagens secundárias.
É como se ao criar narrativas pudéssemos criar a vida, ou como se fôssemos um psicógrafo de narrativas, como tematizado por Fernando Pessoa. Às vezes fazemos o projeto e o perfil das personagens e as ações são consequência desse rascunho traçado que começa a se desenrolar. Mas e se escrevemos  um relato biográfico? Transformado em ficção torna-se um recorte emoldurado pelas costuras que tecemos à rememoração, à reflexão, usando recursos da poeticidade, buscando o belo, mesmo que fale de tristeza. O escritor aprende a valorizar a vida, pois nunca está  só: cria personagens, recria situações, reescreve o passado, digere o presente e poetiza o futuro.
Mesmo relatos avulsos, como os da artista  Cátia Rodrigues, organizados no livro Janelas no tempo, apresenta as características de escrituras literárias citadas acima. O  título “janelas” sintetiza a possibilidade de abertura mas a janela não existe no espaço geográfico, somos surpreendidos: como crônicas interdependentes são marcações no tempo. Mesmo escrita em primeira pessoa, a obra  não é um relato pessoal, é o registro livre de uma época e da condição humana, por isso paradoxalmente singular e plural; marca de um tempo e atemporal.  A poeticidade está na seleção de palavras, no lirismo e,  mesmo o tom subjetivo trata das questões do coletivo, quando registra as inquietudes da multidão, no questionamento se a internet rouba ou maximiza o tempo. Nos porquês e para quês das coisas, da existência e dos sentimentos. Com o estilo drummondiano modernizado em O observador no escritório, Cátia é uma observadora na rua, na escola, em casa, em eventos... na vida.
O título desta coluna ambíguo, encerra um paradoxo,  é uma provocação.  Não acho que somente os escritores sejam felizes, e não acredito que escritores fiquem sós.  Seja escrevendo, lendo, observando a vida (alimento de ideias), estão cercados. Escritor escreve   sobre o que sente, pressente, observa, imagina e idealiza: as palavras ávidas por vidas registradas, fazem-lhe companhia!







quarta-feira, 15 de outubro de 2014

QUE VENHA (A) O VINHO!

Revista AESUL - Set-2014



É interessante como alguns frutos estão presentes em vários elementos da cultura. A uva é uma delas, desde os tempos bíblicos, desde os tempos gregos... Cultura, ato de cultivar, plantar (agricultura) e cultura, meio social.  Não à toa apareça nos rituais religiosos, no velho testamento, no novo testamento, como o primeiro e polêmico milagre de Jesus, o de transformar água em vinho, como símbolo do sangue de cristo. Na mitologia grega, Dionísio é o deus do vinho, Baco, na mitologia romana daí, por extensão, o termo bacanal. Reside na etimologia a polêmica sobre as passagens bíblicas, sobre o ser ou não o vinho embriagante: “Tirôsh” é vinho não alcoólico, mas o termo mais usado na bíblia é  “Yayin”, que serve para os dois usos: “vinho alcoólico e vinho não alcoólico”. O mesmo acontece com o termo grego: “oinos”, que serve para os dois e, “sikera” e “gleukus”  para vinho alcoólico.
Mas o vinho também está presente na cultura brasileira, seja por herança cultural seja por paladar... seja linguisticamente, “enólogo”, por exemplo, é uma palavra de origem grega, “enos” é transformação de “oinos”; Outra definição também é importante: nem todas as uvas servem para vinho. Uvas viníferas, próprias para o vinho e não para a alimentação, e as não-viníferas, que servem  para alimentação. Um vinho muito consumido mais simples, mais popular, oriundo de uvas consideradas não viníferas. Mas linguisticamente, no nome há um paralelismo com o “Sangue de Cristo”,  o nome tem uma relação com o sagrado, como se o animal tivesse sangrado para dar algum prazer ao degustador.  Também é preciso diferenciar vinho de champanhe e até mesmo de vinagre. Nada melhor que conhecer essas informações conhecendo os lugares de produção.
Dois lugares no Brasil são os principais produtores: no Rio Grande do Sul e em Pernambuco perto do outro Rio Grande, o do Norte. Em São Paulo também há São Roque, nas  Minas Gerais,  Andradas.
Visitar uma vinícola é um passeio encantador, uma viagem geográfica, histórica e cultural. geralmente nas parreiras, se der sorte da visita ser no verão, ver-se-ão as parreiras cheias, belíssimas; se for no inverno, secas,  mas  não sem vida, Depois das parreiras, estão hibernando.  Depois, passa-se pelos corredores tomados por barris, se for uma vinícola antiga ou por tanques de inox, se for moderna e  termina com um breve curso com o enólogo. 
Nada como um profissional para explicar... Com este profissional tem-se a oportunidade de aprender outras coisas  além de como se faz e como se toma vinho. E claro que é interessante saber que o primeiro sentido aguçado é o olfato, por isso a importância de cheirá-lo antes de levá-lo a boca. Claro depois de muitas mexidas na taça. Mexer o vinho não é frescura. Não se trata de um ritual injustificável. Ao sacudir a bebida, a oxigena-se e o aroma fica mais apurado.    Na taça não se  pode pegar no bojo só na haste ou na base. Um creme ou do suor da mão pode deturpar o aroma do vinho, além de alterar a temperatura.
Quem não pode ir às vinícolas pode ir às adegas, empórios, como as existentes na nossa região. Foi há quatro anos,  num passeio a Caxias do Sul, que  o Senhor Dário P. Santos, morador da zona sul de São Paulo  trouxe   garrafas de vinho  para compartilhar com sua tertúlia. Confeccionou alguns rótulos personalizados para presentear  alguns deles. Ao perceber a reação positiva dos presenteados e as constantes solicitações, início a SP Vinhos.
Um bom vinho ou um bom suco de uva está relacionado à culinária- haja vista pratos que utilizam-no, a rituais, à simbologia, a etiquetas sociais, a  eventos: confrarias, tertúlias, encontros românticos... Ou simplesmente para a degustação  e brinde a saúde e à saúde !
Daniella Barbosa e Ivete Irene dos Santos

 


sábado, 2 de agosto de 2014

UM VIVA AOS IMORTAIS

 
Nós, como amantes das letras, sofremos as perdas que ocorreram nesse mês. Definimos como perdas literárias porque a existência física desses autores permitia  a lembrança constante, sobretudo à nova geração, que mediada por tantas tecnologias, precisa ter materialidade do autor para um processo de concretização cognitiva: “o escritor  existe” e ainda pode falar sobre sua obra. Não há dúvidas que esses autores são imortais.  Não só porque compõem  academias de letras  e ao falecerem tem seus restos mortais associados a mausoléus ou monumentos,  mas também por  suas obras serem imortais transpassando  o tempo e as mídias, fazendo com que  jovens midiáticos possam conhecer as obras em outros formatos. A citar, como exemplo, o fato de Millôr Fernandes, falecido em 2012, ser o homenageado na Flip 2014.
Julho foi um mês de luto! Quatro autores deixaram um legado importante  para a cultura brasileira. 
Rubem Alves foi escritor, educador e teólogo. Seus livros abordam temas existenciais, não limitados à religiosidade, mas à cidadania e à formação holística do ser-humano. Reescreveu e polemizou estórias clássicas, como  “Caindo na Real - Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual”, Pinóquio às avessas”, “Sobre príncipes e sapos”. Foi membro da Academia de Letras de Campinas e teve repercussão internacional.
A Academia Brasileira de Letras foi marcada por três perdas.  Ivan Junqueira tem um poema metalinguístico significativo à literatura e à educação: “Que será o poema, /essa estranha trama/ de penumbra e flama/ que a boca blasfema?// Que será, se há lama/ no que escreve a pena/ ou lhe aflora à cena/ o excesso de um drama?/ Que será o poema:/ uma voz que clama?/ Uma luz que emana?/ Ou a dor que algema?”. Esse poema registra o poetar presente não só no poema, mas a todo gênero literário: a literatura pode e deve tratar sobre todos os temas e mais que trazer respostas pode e deve provocar o leitor.
João Ubaldo Ribeiro em seus textos provocava com  termos vulgares e palavrões, que embora espantassem leitores mais puristas, traziam proximidade a outros, por seus personagens verbalizarem o pensamento sobre temas cotidianos e expressões cristalizadas, como  “Deus é brasileiro”, obra adaptada para o cinema. Outra narrativa famosa, "A Casa dos Budas Ditosos" foi adaptada para o teatro, como um monólogo interpretado por Fernanda Torres. Outra obra expressiva é "Um brasileiro em Berlim," a visão do cronista não só sobre sua estada na Alemanha, mas uma proposta de reflexão sobre a própria pátria, em comparação a outra nação.
Já outro autor, Ariano Suassuna, dedicou-se ao registro da cultura nacional, sem excluir a influência das outras culturas na nossa. A peça "Auto da Compadecida" é considerada o texto mais popular do moderno teatro brasileiro. Nela, Suassuna conta a história dos amigos João Grilo e Chicó, que andam pelo sertão. Há uma mescla de diversas figuras de linguagem nordestinas com elementos dos cordéis e as formas clássicas de auto e farsa. Seu sucesso foi tão grande que foi adaptada para o cinema e a televisão. Suas palestras, entrevistas, também eram famosas pois ele acaba se caracterizando como um contador de causos...
 Evocamos: “um viva seja dado aos imortais!” não só com homenagens, mas com revisitações a suas obras, em leitura e releituras! E que haja muitos herdeiros e discípulos, pois assim suas obras e existências terão valido a pena. 
Daniella Barbosa Buttler e Ivete Irene dos Santos

domingo, 27 de julho de 2014

Não meta fora as metáforas!

 
Edição 2776 (26.07 a 01.08.2014)
                                     
Existem alguns livros, ou imagens, que funcionam como chave para despertar a lembrança de um fato ou de alguém. Impossível, nas férias, não olhar os meus álbuns e não pensar na viagem que fiz ao Chile, e não pensar nas minhas buscas mais literárias: a compra dos menores livros que tenho, entre eles O pequeno príncipe, do tamanho de uma caixa de fósforos, e a visita à casa de Pablo Neruda.
Impossível não pensar nesse autor e não me lembrar do filme O carteiro e o poeta e não querer assisti-lo novamente. Impossível não assisti-lo e não pensar na pesquisadora Mara Sophia Zanotto. Não, caro leitor, ela não é uma pesquisadora de literatura chilena, mas de metáforas, e por extensão, de poesias, embora metáforas não se restrinjam ao discurso literário. Exemplifico em uma digressão oportuna: Quem nunca disse as expressões "Fulano está de braços cruzados", "Ele anda de cabeça baixa", "Estava atrasado, vim voando", " Fiquei de cabelo em pé com o que ouvi", "Ela é uma mão-de-vaca!?"
Mesmo expressões já cristalizadas, nem percebidas como termos figurados, ou seja, não-literais, podem ser considerados como metáforas ou mais especificamente catacrese: "engatar o carro", "céu da boca", "batata da perna", "dente de alho", "braço da cadeira"...
No filme O carteiro e o poeta, baseado no livro de Antonio Skármeta , ao carteiro que se torna seu fã e amigo, Pablo Neruda numa conversa explica a função da metáfora:
"Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra. (...) Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?"  e Marcos responde: "Ora, fácil! Que está chovendo, ué!"
 
A personagem parece não aceitar o termo técnico "E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?" mas em outro trecho diz identificar-se com a poesia de Neruda, como se sentisse aquilo sugerido na poesia, mas não conseguisse dizê-lo tão bem como o autor. E talvez essa seja a função da metáfora, sugerir o indizível, pode haver um nome técnico para "maçã do rosto", por exemplo, mas é tão mais poético assim dizê-lo.
A professora Mara (doce, ao contrário do que esse radical sugere) não é poeta, mas propõe, em suas pesquisas, como trabalhar a interpretação de poesias, com um técnica "Pensar alto em grupo". Não quer dizer que tudo que "enxergamos" em uma poesia é aceitável, para a leitura ser válida, deve ser justificada com elementos do próprio texto, ou a partir do texto, mas aquela pergunta presente em vários questionários: "o que o autor quis dizer no trecho x ?" é indevida, pois, embora seja validada ou não pelo texto, não se encerra na validação do escritor. Quantas vezes lemos um texto de própria autoria e nem nos lembramos das motivações ao escrevê-lo? Não quer dizer que o texto não continue tendo sentido.
Retomando o livro / filme O carteiro e o poeta, citemos o carteiro Marcos, que poetiza a apropriação que os leitores fazem de um texto: "A poesia não pertence a quem a escreve, mas a quem precisa dela".
A poesia não é só o que está escrito, mas o que lemos dela. Outra passagem do livro/filme significativa para mim é "o mundo inteiro é metáfora para outra coisa qualquer", ou seja, há poesia na vida, se enxergamos; e vida na poesia, se a lermos. A poesia, e por extensão o texto literário, é uma forma de explicar, registrar e sentir a vida pois, como sucinta o educador Paulo Freire, "a leitura de mundo precede a leitura das palavras!" e acrescentamos: se complementam e se ressignificam!

 
 
 
 
 


 
 


 
 

 

 
 

 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!

 
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
Já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!

sábado, 5 de julho de 2014

Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!

Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
 


Caros leitores, vocês sabem de meus interesses lingüísticos. Como professora de Língua portuguesa, interesso-me pela magia das palavras presentes no discurso sob suas várias roupagens, dentre elas a poeticidade da literatura. Já revelei também minha paixão pela família e pelo lirismo que é acompanhar o desenvolvimento de um ser ética e moralmente. Comentarei aqui o tema "madrinha", pois esse termo embora seja constantemente associado à questão religiosa, em cerimônias de batismo, casamento e formatura, está relacionado também à literatura: A casa da madrinha, de Ligia Bonjuga é uma dessas obras, além dos contos com fadas ou outras personagens adjuvantes que ajudam o protagonista.
Para mim que não tenho irmãos, sim sou órfã fraterna, só restou o papel de prima, e acho que seria restritivo ser chamada genericamente de tia. Que bom que a vida deu um jeito de unir pessoas e possibilitou um outro traço à concepção de família: as amizades, e tornei-me madrinha, tomei crianças como aFILHadas, talvez como o mais perto que pudesse ser de mãe e de fada, inspirada nas pessoas que foram importantes para mim como madrinhas.
Eu tive uma madrinha oficializada em cerimônia religiosa, a Madrinha Edinete, da qual ganhei a primeira boneca de pano e o Surileia Mãe Monstrinha, de Eva Furnari, que muito me ajudou a aprender a dividir a mãe e compreender a necessidade de minha mãe trabalhar fora. Tive várias fadas madrinhas, Elizete Roncato que me ensinou tantos dos valores morais éticos que hoje tenho e me ensinou a sonhar , patrocinando os primeiros materiais escolares, as primeiras idas a cinema, as assinaturas de jornais. Zélia Borges, que mais que minha orientadora foi minha fada madrinha pois acreditou em mim em apenas uma conversa sobre a paixão por Monteiro Lobato. E se tornou parte da minha vida.
Tenho, há 20 anos acompanhado a trajetória de alguns seres que, como disse, tomei como afilhados e aí criei a intertextualidade com outro conto : Branca de neve e os sete afilhadinhos, embora estivesse mais para palhaça, pois em festas familiares e na Fundação Marcio Eduardo Barone Brandão, onde era madrinha voluntária, fazia animações de palhaça, ora com meus primos, ora com meu amigo Jaime.
Meus afilhados, agora adolescentes, Bianca, Agnes, Thaíse, Kauê, Jeisy, Douglas e outros que adotei sem o vínculo religioso (Lucas, Rafael, Beatriz, Pâmela, Paloma, Pepê, Marina, Juninho, Gabriela, Vanessa, Andressa ) eram meus álibis para os filmes infantis.
De certa forma, seja madrinha pelo aspecto religioso cristão, seja pelo símbolo pagão presente nos contos de fadas, madrinha é aquela que está ao lado, como fada, se não para realizar os desejos, para ajudar na concretização dos objetivos e na caminhada da vida.
Abraço, agora, a nova geração, e sou abraçada por eles, aumentando a corrente familiar: Gustavo, Manuela, Sophia, Ester, Arthur, Ana Luiza, Pedrinho, entre outros. Afirmo sempre: não fiquei para titia, fiquei para madrinha, no doce papel de inventar e viver histórias de afetos.

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