sábado, 26 de abril de 2014

Para onde as ondas do rádio me levam!

 
Cresci ouvindo o rádio, devido à influência dos meus pais. E cresci no sentido metafórico e literal. Dependendo do turno da escola, acompanhava os programas durante um ano, como novelas, ou como jornais. Digo que cresci metaforicamente porque parte do meu interesse como amante das narrativas se deu por ouvir as narrativas de cartas, as histórias biográficas: quadros como o Que saudade de você!, do Eli Correia; De Coração para coração, de Paulo Lopes; e os desabafos das amigasouvintes de Paulo Barbosa.

Não eram só as histórias que me interessavam, mas também o que tornava a narrativa sedutora: a maneira envolvente de tecer o fio da trama,, criando o clímax e o suspense; o lirismo de transformar um relato em uma homenagem; mesmo uma história comum, era instigante para muitos ouvintes, que se identificavam naqueles vieses emprestados da experiência do outro. Algumas cartas relatadas no programa Eli Correia até viraram livro e outras histórias com tons de terror e misticismo ganharam encenação em programas de TV.

Reforço: não era a história em si, mas a maneira de narrar, as escolhas de palavras, a condução da narrativa que causava a repercussão entre os ouvintes. E como eram narrativas orais, a maneira do locutor impulsionar a voz, fazer as pausas, fazer as repetições, alongar a palavra, imitar os barulhos, era o que me envolvia. Gil Gomes é imortalizado como um ícone das histórias de crimes, de lendas urbanas, de casos enigmáticos. Confesso, gostava dos medos que eu sentia, de histórias que pareciam inacreditáveis de tanta maldade impregnada na trama.Eu preferia acreditar que eram mesmo ficção.

Ouvia também os programas dedicados a músicas românticas, programas que se encerravam com relatos de histórias de amor. Também achava interessantes as reconstruções da narrativa que tornavam as histórias emocionantes fazendo crer que os tais contos de fadas e contos de amor não faziam parte apenas da literatura, mas também de documentários e de biografias. Eu e minha prima Lu ficamos horas conversando sobre o que escutávamos e projetando como seria o futuro.

Como eu já relatei em outra crônica, na infância, o meu acesso a livros era limitado,e mesmo a televisão tinha os horários definidos devido às tarefas domésticas. Os programas de debates, sobretudo do Paulo Lopes, ajudaram na minha formação crítica, pois apresentavam pontos de vista diferentes e discutiam os temas contemporâneos, com participantes especialistas nos temas, mas também dando voz ao ouvinte. Hoje ouço os programas nos arquivos dos sites das rádios e, em um dia, consigo ouvir meses e meses dos quadros.

Ainda ouço rádio, sobretudo no trânsito, mas agora ao encontro de músicas. Digo ao encontro de músicas, porque, como brinco, são as músicas que nos escolhem, surpreendentemente. É fácil, com tanta tecnologia, selecionar as músicas que se quer ouvir: estão quase todas lá na internet, senão nos pendrives ou nos cds. Ouvir a rádio não é selecionar a música, é ser escolhido. Quantas vezes vezes, não fui resgatada por uma música da infância, e abduzida pelas memórias...?

Uma música me levou ao encontro de uma cena esquecida. Foi uma música dessas que me fez lembrar das experiências de infância e adolescência (uma"leitura" da vida por meio do rádio) e me despertou a vontade, naquele momento, de sintonizar o rádio no AM e reencontrar também os radialistas que ainda fazem companhia, do bom-dia ao boa-noite, à dona Irene, minha mãe.



domingo, 13 de abril de 2014

Ainda sobre sons e melodias!


TREINANDO A LÍNGUA!

Ainda sobre letras e melodias
É comum quando questionados quantas letras há  no alfabeto, respondermos 23. Mas com a reforma ortográfica, o "k", "y" e "w" são considerados pertencentes ao nosso alfabeto, totalizando 26 letras. E por falar do termo “alfabeto”, esse nome é a junção do nome de duas letras gregas "alfa" e "beta", correspondentes ao nosso "a" e "b". Na verdade, temos influência de outras culturas, mas a origem de nossa língua é a latina, como o espanhol, o italiano, o francês e o romeno, por isso é mais fácil aprendê-las (e confundi-las) pela similaridade da origem.
            Na década de 90 uma música fez muito sucesso, nas versões em espanhol, Amores Extraños,de  Laura Pausini;  em italiano, foi interpretada por Renato Russo,  Strani Amori , e  em português tornou-se Amores estranhos, interpretada por Jayne. Outra versão, a interpretada por Andressa, foi trilha sonora da novela Anjo de mim. A existência de várias versões remete a outra discussão: não há tradução perfeita, há adaptações culturais, sobretudo em música para manter o ritmo e mesmo a expressividade do sentimento. Mas voltemos a tratar de alfabeto, de letras e de fonemas, incitados pela música ABC do sertão:" Lá no meu sertão pros caboclo lê/Têm que aprender outro ABC (...)/Na escola é engraçado ouvir-se tanto "ê"/A, bê, cê, dê,/ Fê, guê, lê, mê,/ Nê, pê, quê, rê, /Tê, vê e Zê".
            Letra é diferente de fonema e nome da letra é diferente do nome do fonema. Todo fonema consoante é lido como "ê" (som aberto). É aos fonemas que Luiz  Gonzaga, rei do baião,poeticamente se refere.
 

sábado, 5 de abril de 2014

JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!

 
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
 
Caro leitor, já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!
 
 

domingo, 23 de março de 2014

LITERATURA INFANTIL: da oralidade às mídias

Edição 939 - 22 a 28 de Março de 2014
 
 
 

Caro leitor, o tema literatura infantil e sua apropriação pelas mídias é tão intrigante, possibilitando tantas reflexões, que é possível voltar a ele em muitas colunas. Sempre me questionam se acredito que a literatura deixará de existir com as novas mídias ou se acho negativa a existência de versões que mudam o original.

O conceito "original" é polêmico, pois as narrativas eram orais, dessa forma, fica impossível afirmar qual seria o texto-base, precisaríamos de um instrumento (gravador) ou de um suporte (papel), o que não existia em época em que muitos textos, considerados literatura infantil ou texto original, foram criados. Considerei o papel, na afirmação anterior como um suporte, mas reportando (ou deturpando) alguns pesquisadores, como Chartier (Inscrever e apagar: Cultura, escrita e literatura e Aventura do livro: do leitor ao navegador) e Marshall McLuhan (Os meios de comunicação como extensões do homem), pode-se considerar o papel e o livro como mídias e, mesmo na oralidade, o corpo pode ser considerado uma mídia, daí decorrem o sucesso dos contadores de estórias que usam a voz, as mãos, a expressão como recursos, e a síntese apresentada no adágio: "quem conta um conto, aumenta um conto!"

A presença de contos, de personagens pertencentes à literatura infantil, sobretudo em livros didáticos, na mídia, torna-os acessíveis a várias crianças, por isso compete ao leitor, ou aos pais e educadores, a mediação não só com essa tipologia de texto, mas com as produções existentes, pois o discurso pode ser utilizado como mantenedor ou polemizador da realidade. Por utilizar persuasão e convencimento, um único foco pode ser tomado como uma verdade incontestável e a única versão certa, sobretudo em textos que explicitem uma moral, como as fábulas e os contos de fadas. Trabalhar com a diversidade de versões é então muito produtivo no desenvolvimento da criticidade. Deve haver só uma versão dos fatos?

Vários autores ocupam-se em revisitar textos que inicialmente pertencem à literatura infantojuvenil, mantendo e/ou ainda modificando as moralidades, os finais. É preciso lembrar que a ideologia e a mensagem presentes no discurso são produzidas por sujeitos inseridos num contexto social, e é na interação, sociedade-indivíduo (autor) e leitor-obra que a linguagem ganha significado. Cada nova criação é um convite para a leitura das versões anteriores. Um mesmo texto relido em contextos diferentes provoca diferentes leituras.

Conheci as obras de Monteiro Lobato pela escola e pela dramatização. A televisão, na minha infância, era mais acessível que os livros. Só depois, quando comecei a estudar, tive acesso aos livros, na escola. Conheci as histórias em quadrinhos na pré-adolescência e, graças à minha madrinha Elizete Roncato, professora, era assinante, porque gostava de ler e de emprestar aos seus alunos e afilhados, para estimular a leitura. Sou leitora, até hoje, dos gibis da Turma da Mônica, e encontro em várias estórias alusão a acontecimentos, personagens reais, além de narrativas que fazem referências a textos da literatura infantil, como a coleção que inclui dois almanaques dedicados à reedição de algumas dessas histórias: Mônica superestrelas e Mônica fábulas. Cada releitura que faço é realmente uma releitura, pois faço associações com novos textos e com novos temas, enxergando o que eu não percebera antes.

Atualmente há vários filmes, peças teatrais, jogos eletrônicos que tematizam os contos tradicionais. Cabe a nós professores, pais, educadores, ou "simplesmente" leitores, como incitado no início, refletir como e por que os textos permanecem ao longo do tempo, permeando as várias construções e (re)construções textuais, pois nessa relação simbiótica, a Mídia, a produção editorial, a exploração pelas artes auxiliam na difusão dos contos na mesma relação circular que faz com que esses contos sejam utilizados por pertencerem ao imaginário cultural. Continuemos imaginado!


Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br; iveteirene@gmail.com


terça-feira, 18 de março de 2014

A carnavalização da literatura


Edição 938 INTERLAGOS NEWS - 15 a 21 de Março de 2014
 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=214

Embora já tenha passado o carnaval, ainda o comentaremos aqui, sobretudo por que, na semana passada, houve o desfile das campeãs e mesmo as escolas que perderam anunciaram que  já estão se preparando para o carnaval 2015.
 Neste presente texto não teceremos as críticas que o tema também desperta, pois isso renderia um texto dissertativo sobre economia, alienação, perigos, gravidez, banheiros químicos insuficientes nos  blocos de carnaval, moradores "ilhados", por não terem sido avisados  de que haveria carnaval de rua; proximidades do sambódromo cobertas de lixo.
Trataremos desse tema aqui, mas sobre o enfoque literário. Acreditem, esse termo "carnaval, é também correspondente à literatura. Já tratamos aqui do tema intertextualidade, relação entre textos, bem como dos itens "citação", "paráfrase", "paródia", “polêmica", "estilização", que são formas como esses textos se relacionam... “Carnavalização”, mais especificamente, corresponde, segundo o teórico Affonso Romano de Sant’Anna, a “uma forma de estudar os textos literários e mesmo a cultura de um povo, procurando os efeitos cômicos e parodísticos que mostram como a comédia pode revelar alguns traços do inconsciente social”. O autor acrescenta, ainda, na mesma obra, Paródia, paráfrase & Cia que “Através do estudo das máscaras, do grotesco, do riso das antíteses entre vida e morte, religião e festa, violência e orgia, inverno e primavera, carnaval e quaresma, pode-se estudar a dialética da própria vida”.  Por isso acreditamos que nossas reflexões, que ora citam o chamado “popular”, ora citam o chamado “erudito”, sejam pertinentes, pois é possível, se não refletir sobre a literatura e sociedade, refletir sobre a vida.
Não à toa o Carnaval antecede a Quaresma como a despedida do que é proibido; não à toa a hiperbolização (exagero) dos papéis; a hiperbolização da inversão dos papéis, travestindo-se nas fantasias; não à toa a hipérbole na frase de que o ano só começa depois do Carnaval. Claro que o ano começou antes, mas a Quaresma é a retomada da sobriedade... anunciada até mesmo pelo Imposto de Renda e pela continuidade das dívidas do início do ano e das responsabilidades, que não deveriam cessar, nem no feriado.
Mas voltemos ao Carnaval, voltemos à literatura! Unamos os dois temas. Reiteremos então a carnavalização.  Não poderíamos deixar de citar as escolas de samba que, nas letras das músicas, aludiram ao tema literatura: a Acadêmicos do Tucuruvi fez uma homenagem às crianças com seus sonhos e mazelas. Além das brincadeiras do universo infantil, citou personagens do universo literário e do imaginário cultural, como Bicho-papão, castelo encantado, duendes, fadas, super-heróis. A Rosas de ouro, tratando do tema inesquecível, também alegorizou  personagens que ficaram e ficam marcados na memória de adultos e crianças, como a Turma da Mônica e o Sítio do Pica-Pau Amarelo. As alas que acompanharam a alegoria mostraram as noites do terror, referindo-se a monstros como o Drácula, lendas urbanas e até o personagem Chucky, o brinquedo assassino. O ator José Mojica Marins, que deu vida ao personagem Zé do Caixão, e vários contos de terror também fizeram parte da alegoria. O Bicho-papão também foi citado no enredo. A Pérola Negra este ano abordou o tema felicidade e, em certo momento, recorreu à literatura infantil, mais especificamente a vários tipos de felicidade, entre elas, a ala "Compramos a felicidade?" a qual trouxe integrantes fantasiados do personagem avarento Tio Patinhas, de Walt Disney, com calculadoras nas fantasias. Tal ala nos alude  que dinheiro também traz felicidade, desde que o que se queira comprar esteja à venda, não é mesmo dileto leitor? A X-9 Paulistana destacou os momentos de insanidade e de delírio que marcaram a história da humanidade. Mais uma vez, uma recorrência à literatura, por meio do Menino Maluquinho, personagem clássico, de Ziraldo e da personagem de Alice no País das Maravilhas, com um castelo de ponta-cabeça. Muita loucura, alegria e harmonia bem organizadas na avenida.
Terminamos citando a tricampeã. No ano passado, em 2013, a Mocidade Alegre trouxe os clássicos infantis para a avenida. Ao abordar o tema sedução, a escola fez inúmeras referências aos contos infantis. O Lobo Mau ficou camarada, a chapeuzinho sedutora, a bruxa boazinha. A escola de samba trouxe uma ruptura nos desfechos desses contos e foi campeã aqui em São Paulo. Neste ano, o tema, da mesma escola, foi  a fé e suas nuances, em várias alegorias. Um desfile repleto de  religiosidade e misticismo, mostrou a fé de judeus a benzedeiras.  A escola provou que a crença, com muito esforço e competência,  funciona.
O termo “alegoria”, muito presente neste artigo, também aparece como metáfora. Teremos um artigo só sobre isso, no qual retomaremos “parábolas”, “fábulas” e os símbolos culturais como Páscoa e lendas! Até lá!


Daniella Barbosa Buttler: possui doutorado pela PUC-SP e é professora no Colégio Humboldt – Deutsche Schule e no Centro Universitário SENAC
daniellabar@gmail.com.br
Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias  (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br;

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A agudeza da crônica






fonte:



"Esta semana conversando sobre o papel do cronista com minha amiga IVETE IRENE DOS SANTOS, colunista neste espaço, ficamos divagando sobre o porquê de escrever crônicas, e concluímos o seguinte: “escrevemos porque simplesmente queremos traduzir em palavras nossas divagações a cerca da vida”. Por isso transcrevo aqui outras reflexões nossas: Escrever trata-se de um ato de desprendimento e ao mesmo tempo de altruísmo, sem excluir o possível egocentrismo e presunção que o leitor tenha lido em “queremos”. Explico com uma indagação: E se pensarmos que ninguém vai ler? Bom, o primeiro leitor já somos nós mesmas. O ato de escrever trata-se de realização pessoal e de deleite para nós mesmos. Ter leitor não é almejar ser famoso no sentido midiático do termo, muito menos ser imortal, mas é imortalizar um pensamento, pelo menos prolongá-lo: o ápice é alcançar a empatia do leitor e não quer dizer que queremos que concorde conosco, mas que reflita conosco, -e como somos sortudas-, temos leitores, como já escrevemos antes, que mandam comentários e questões que nos fazem pensar e repensar... e então, mais que crônica ou artigo, fazemos ENSAIO sobre a vida... Mas isso já é outra história!"






 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crônica-aula: DOS SONS ÀS LETRAS DAS PALAVRAS


 
TREINANDO A LÍNGUA! 
Dos sons às letras das palavras
Caro leitor, nessa segunda coluna, focalizarei o assunto “fonema”, “som das letras”. Em alguns momentos será necessário usar termos técnicos, mas traduzirei metalinguisticamente, ou seja, utilizarei outras palavras para explicá-los. Como prometi na coluna anterior, apresentarei como exemplos músicas, poesias, programas, cenas de novelas... Acredito que seja importante usar  os dois esteios, o tradicional e o novo- ora um exemplo atual, popular, ora obras menos conhecidas por não estarem tão presentes na mídia- com o objetivo de que vejamos as diferenças e ampliemos nosso conhecimento.
Quando comecei a rascunhar o texto, ouvi, ao sintonizar uma rádio, uma música de Belchior, relacionada indiretamente ao tema aqui proposto. Belchior é na expressão de uma música sua: aquele "rapaz latino-americano”. Outra música dele, Como nossos pais, ficou muito famosa na voz de Elis Regina, e continua com letra que registra bem a realidade atual, pois mesmo com mudanças, "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Outro trecho dessa composição soa como um trocadilho: “Não quero lhe falar\ Meu grande amor\Das coisas que aprendi\Nos discos...”. Interessante como nosso cérebro e nossos sentidos nos traem: até a adolescência cantava “que aprendi nos livros”, pois para mim, até aquela época, a aprendizagem estava associada às letras impressas. Apenas no Magistério pude estender o conceito de leitura, conhecendo a teoria do educador Paulo Freire suscitada na expressão "a leitura de mundo precede a leitura de palavras". Tive também, enquanto cursava no CEFAM, Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério,  a extensão do conceito de “comunicação”, com a definição de língua como uma forma de linguagem, portanto, uma forma de comunicação, mas não a única; há também linguagem não verbal, ou seja, é possível ler também gestos, cores, sons, formas, entre outros elementos que mesmo com outra função também nos permitem comunicar.
Mas voltemos à música do Belchior e outro trecho que eu também cantava errado: “Você pode até dizer\ Que eu estou por fora\ Ou então\ Que eu estou enganando...\ Mas é você\ Que ama o passado\ E que não vê \Que o novo sempre vem...”.  Sempre cantei que “você que anda ultrapassado”. Mas não são apenas as músicas que confundem os ouvidos, há exemplos clássicos de como o uso transformou algumas palavras e expressões: "Quem tem boca vai a Roma" é, para alguns falantes, "Quem tem boca vaia Roma"; "Cuspida e escarrada" era na verdade "Esculpida e encarnada"; “Batatinha quando nasce...” Complete... “espalha ramas pelo chão!” Outras expressões sofreram aglutinações na pronúncia: "em boa hora" tornou-se "embora"; "plano alto" tornou-se "planalto".
A língua, sendo manifestação cultural, sofre também influência social, e não estou me referindo apenas aos sotaques, mas à existência de certos fonemas. Por que associamos que japonês não pronuncia "carro", com o "r" forte?  Na verdade a dificuldade em falar uma segunda língua está na comparação com a língua materna.  Não há língua fácil ou difícil, mas diferente. Belchior, cujas composições foram escolhidas como exemplo, tem uma música intitulada Num país feliz, cujo  trecho "E o índio ia indo, inocente e nu\ Sem rei, sem lei, sem mais, ao som do sol", de certa forma retoma o Tratado descritivo do Brasil em 1587, redigido pelo cronista Gabriel Soares de Sousa. Os portugueses associavam a partir do seu ponto de vista cultural que os índios não tinham lei, nem fé, nem rei, por não terem as letras\grafemas L, R e F e os sons\fonemas. Os índios não tinham mesmo suas leis, seus reis e sua fé?
Em se tratando de língua devem ser levadas em consideração as diferenças culturais, analisando o contexto comunicativo. E na língua escrita, foco de próximas colunas, é preciso não confundir "letra" com "som", pois uma letra pode representar sons diferentes e vice-versa. Leia em voz alta essas palavras, observando, sobretudo, as letras grifadas: "máximo","exame", tóxico", "exceto", "xale", "chalé","zebra"... Quem já não ficou em dúvida como escrevê-las ou pronunciá-las?  Os olhos e a boca (quando não a cabeça) também nos traem, ainda mais quando os termos são homônimos ou parônimos. Até a próxima!
fonte: Jornal INTERATIVO/FEVEREIRO 2014 p.10


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Fábulas de Monteiro Lobato: fabulosas versões à moral.


fonte:http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196
 
Caros leitores, a proposta dessa coluna é continuarmos nosso passeio pelas fábulas e pelo tema literatura infantil. E não se pode pensar em literatura para crianças sem citar Monteiro Lobato. Embora ele também tenha escrito obras para adultos, como Urupês, Negrinha e O presidente negro, que ainda hoje provocam polêmicas e reflexões, há consenso, resumido na perífrase “Monteiro Lobato, pai da literatura infantil brasileira”, fazendo que se associe, inclusive, a data de seu aniversário, 18 de abril, ao dia do livro.
Como autor de literatura infantil consagrou-se por criar personagens e estórias próximas das expectativas e “necessidades” das crianças, cujas aventuras são lidas até hoje e ganham adaptações à linguagem teatral, televisiva e até cibernética.
A obra Fábulas,escrita em 1922, foco de nossa análise, é a segunda obra infantojuvenil do autor e explicita a concretização do projeto de Monteiro Lobato de tornar acessível às crianças estórias consagradas, não só pela adequação da linguagem mas por apresentar personagens com as quais as crianças se identifiquem. Em correspondência a Godofredo Rangel, escritor e amigo, podemos constatar a opinião de Lobato sobre as traduções das fábulas, consideradas por ele “apenas moitas e amora do mato-espinhentas e impenetráveis”.  Com o objetivo de torná-las mais atraentes havia pensado num fabulário nosso, com bichos daqui, em vez dos exóticos e assim “vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, em prosa e mexendo com as moralidades”.
      As personagens lobatianas, aquelas já apresentadas na obra A menina do nariz arrebitado, obra anterior e inaugural de Monteiro Lobato interagem indiretamente com as personagens criadas por Esopo e La Fontaine em suas estórias. Comentei na coluna anterior que o livro Fábulas inicia-se com a comparação  entre a formiga boa e a formiga má. Há metalinguagem na discussão sobre o próprio gênero transparecida no comentário de Emília sobre a inexistência de formigas más e a explicação de dona Benta dizendo que as fábulas não eram lições de História Natural, mas de Moral. A interdiscursividade, ou seja, relação entre os discursos e assuntos, ocorre pela retomada temática: várias fábulas serão figurativizações, ou seja, novas situações sobre os mesmos temas. A maneira como os textos são apresentados possibilita uma  discussão sobre a cristalização de conceitos e papel da moralidade como reflexo da sociedade e como mantenedora de ideologias. A criação de versões da mesma fábula ou de textos contrastantes já propõe uma leitura crítica desse gênero literário. Emília com seus comentários, de certa forma, convida o leitor a rever conceitos já enraizados, ou pelo menos conhecer outros pontos de vista.
     Fábulas é uma narrativa que pode ser lida em uma “sentada só” ou como novela literária, já que cada fábula pode ser lida separadamente. Ao apresentar suas versões de fábulas demonstrando que há pontos de vista diferentes, Monteiro Lobato suscita à liberdade de expressão e de leituras interpretativas. As personagens decidem rasgar e jogar fora as fábulas de que não gostam.  Pedrinho diz que muitas são a sabedoria popular e por isso precisa de tempo para digeri-las e “se não valem de muita coisa, valem por serem curtinhas”. Na opinião de Narizinho, as fábulas são  sabidíssimas, e embora preste-se atenção à fala dos animais, são as moralidades que ficam na memória. Já Emília as considera uma indireta às pessoas. Visconde, usando a retórica caracterizadora de sua personagem, teoriza que as fábulas mostram apenas duas coisas: que o mundo é dos fortes, e que o único meio de derrotar a força é a astúcia. Com esse comentário Visconde faz referência às fábulas que têm como “pano de fundo”a crítica social.
 O sítio do picapau amarelo, cenário dos enredos, lugar utópico de discussões, transpassa os limites espaciais do imaginário e das páginas do livro e se concretiza na leitura, na criticidade do leitor e nas ações do sujeito que ao ler a obra e tomar conhecimento do acervo herdado decide redescobri-lo ou reinventá-lo. E assim a fábula, mais que reflexo da moralidade, como texto, provoca reflexão. Por isso tão fabulosa, como diria Millôr Fernandes, nosso próximo autor comentado.
Edição 2752 - 15 a 21 de Fevereiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196 (p.12)

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