domingo, 23 de março de 2014

LITERATURA INFANTIL: da oralidade às mídias

Edição 939 - 22 a 28 de Março de 2014
 
 
 

Caro leitor, o tema literatura infantil e sua apropriação pelas mídias é tão intrigante, possibilitando tantas reflexões, que é possível voltar a ele em muitas colunas. Sempre me questionam se acredito que a literatura deixará de existir com as novas mídias ou se acho negativa a existência de versões que mudam o original.

O conceito "original" é polêmico, pois as narrativas eram orais, dessa forma, fica impossível afirmar qual seria o texto-base, precisaríamos de um instrumento (gravador) ou de um suporte (papel), o que não existia em época em que muitos textos, considerados literatura infantil ou texto original, foram criados. Considerei o papel, na afirmação anterior como um suporte, mas reportando (ou deturpando) alguns pesquisadores, como Chartier (Inscrever e apagar: Cultura, escrita e literatura e Aventura do livro: do leitor ao navegador) e Marshall McLuhan (Os meios de comunicação como extensões do homem), pode-se considerar o papel e o livro como mídias e, mesmo na oralidade, o corpo pode ser considerado uma mídia, daí decorrem o sucesso dos contadores de estórias que usam a voz, as mãos, a expressão como recursos, e a síntese apresentada no adágio: "quem conta um conto, aumenta um conto!"

A presença de contos, de personagens pertencentes à literatura infantil, sobretudo em livros didáticos, na mídia, torna-os acessíveis a várias crianças, por isso compete ao leitor, ou aos pais e educadores, a mediação não só com essa tipologia de texto, mas com as produções existentes, pois o discurso pode ser utilizado como mantenedor ou polemizador da realidade. Por utilizar persuasão e convencimento, um único foco pode ser tomado como uma verdade incontestável e a única versão certa, sobretudo em textos que explicitem uma moral, como as fábulas e os contos de fadas. Trabalhar com a diversidade de versões é então muito produtivo no desenvolvimento da criticidade. Deve haver só uma versão dos fatos?

Vários autores ocupam-se em revisitar textos que inicialmente pertencem à literatura infantojuvenil, mantendo e/ou ainda modificando as moralidades, os finais. É preciso lembrar que a ideologia e a mensagem presentes no discurso são produzidas por sujeitos inseridos num contexto social, e é na interação, sociedade-indivíduo (autor) e leitor-obra que a linguagem ganha significado. Cada nova criação é um convite para a leitura das versões anteriores. Um mesmo texto relido em contextos diferentes provoca diferentes leituras.

Conheci as obras de Monteiro Lobato pela escola e pela dramatização. A televisão, na minha infância, era mais acessível que os livros. Só depois, quando comecei a estudar, tive acesso aos livros, na escola. Conheci as histórias em quadrinhos na pré-adolescência e, graças à minha madrinha Elizete Roncato, professora, era assinante, porque gostava de ler e de emprestar aos seus alunos e afilhados, para estimular a leitura. Sou leitora, até hoje, dos gibis da Turma da Mônica, e encontro em várias estórias alusão a acontecimentos, personagens reais, além de narrativas que fazem referências a textos da literatura infantil, como a coleção que inclui dois almanaques dedicados à reedição de algumas dessas histórias: Mônica superestrelas e Mônica fábulas. Cada releitura que faço é realmente uma releitura, pois faço associações com novos textos e com novos temas, enxergando o que eu não percebera antes.

Atualmente há vários filmes, peças teatrais, jogos eletrônicos que tematizam os contos tradicionais. Cabe a nós professores, pais, educadores, ou "simplesmente" leitores, como incitado no início, refletir como e por que os textos permanecem ao longo do tempo, permeando as várias construções e (re)construções textuais, pois nessa relação simbiótica, a Mídia, a produção editorial, a exploração pelas artes auxiliam na difusão dos contos na mesma relação circular que faz com que esses contos sejam utilizados por pertencerem ao imaginário cultural. Continuemos imaginado!


Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br; iveteirene@gmail.com


terça-feira, 18 de março de 2014

A carnavalização da literatura


Edição 938 INTERLAGOS NEWS - 15 a 21 de Março de 2014
 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=214

Embora já tenha passado o carnaval, ainda o comentaremos aqui, sobretudo por que, na semana passada, houve o desfile das campeãs e mesmo as escolas que perderam anunciaram que  já estão se preparando para o carnaval 2015.
 Neste presente texto não teceremos as críticas que o tema também desperta, pois isso renderia um texto dissertativo sobre economia, alienação, perigos, gravidez, banheiros químicos insuficientes nos  blocos de carnaval, moradores "ilhados", por não terem sido avisados  de que haveria carnaval de rua; proximidades do sambódromo cobertas de lixo.
Trataremos desse tema aqui, mas sobre o enfoque literário. Acreditem, esse termo "carnaval, é também correspondente à literatura. Já tratamos aqui do tema intertextualidade, relação entre textos, bem como dos itens "citação", "paráfrase", "paródia", “polêmica", "estilização", que são formas como esses textos se relacionam... “Carnavalização”, mais especificamente, corresponde, segundo o teórico Affonso Romano de Sant’Anna, a “uma forma de estudar os textos literários e mesmo a cultura de um povo, procurando os efeitos cômicos e parodísticos que mostram como a comédia pode revelar alguns traços do inconsciente social”. O autor acrescenta, ainda, na mesma obra, Paródia, paráfrase & Cia que “Através do estudo das máscaras, do grotesco, do riso das antíteses entre vida e morte, religião e festa, violência e orgia, inverno e primavera, carnaval e quaresma, pode-se estudar a dialética da própria vida”.  Por isso acreditamos que nossas reflexões, que ora citam o chamado “popular”, ora citam o chamado “erudito”, sejam pertinentes, pois é possível, se não refletir sobre a literatura e sociedade, refletir sobre a vida.
Não à toa o Carnaval antecede a Quaresma como a despedida do que é proibido; não à toa a hiperbolização (exagero) dos papéis; a hiperbolização da inversão dos papéis, travestindo-se nas fantasias; não à toa a hipérbole na frase de que o ano só começa depois do Carnaval. Claro que o ano começou antes, mas a Quaresma é a retomada da sobriedade... anunciada até mesmo pelo Imposto de Renda e pela continuidade das dívidas do início do ano e das responsabilidades, que não deveriam cessar, nem no feriado.
Mas voltemos ao Carnaval, voltemos à literatura! Unamos os dois temas. Reiteremos então a carnavalização.  Não poderíamos deixar de citar as escolas de samba que, nas letras das músicas, aludiram ao tema literatura: a Acadêmicos do Tucuruvi fez uma homenagem às crianças com seus sonhos e mazelas. Além das brincadeiras do universo infantil, citou personagens do universo literário e do imaginário cultural, como Bicho-papão, castelo encantado, duendes, fadas, super-heróis. A Rosas de ouro, tratando do tema inesquecível, também alegorizou  personagens que ficaram e ficam marcados na memória de adultos e crianças, como a Turma da Mônica e o Sítio do Pica-Pau Amarelo. As alas que acompanharam a alegoria mostraram as noites do terror, referindo-se a monstros como o Drácula, lendas urbanas e até o personagem Chucky, o brinquedo assassino. O ator José Mojica Marins, que deu vida ao personagem Zé do Caixão, e vários contos de terror também fizeram parte da alegoria. O Bicho-papão também foi citado no enredo. A Pérola Negra este ano abordou o tema felicidade e, em certo momento, recorreu à literatura infantil, mais especificamente a vários tipos de felicidade, entre elas, a ala "Compramos a felicidade?" a qual trouxe integrantes fantasiados do personagem avarento Tio Patinhas, de Walt Disney, com calculadoras nas fantasias. Tal ala nos alude  que dinheiro também traz felicidade, desde que o que se queira comprar esteja à venda, não é mesmo dileto leitor? A X-9 Paulistana destacou os momentos de insanidade e de delírio que marcaram a história da humanidade. Mais uma vez, uma recorrência à literatura, por meio do Menino Maluquinho, personagem clássico, de Ziraldo e da personagem de Alice no País das Maravilhas, com um castelo de ponta-cabeça. Muita loucura, alegria e harmonia bem organizadas na avenida.
Terminamos citando a tricampeã. No ano passado, em 2013, a Mocidade Alegre trouxe os clássicos infantis para a avenida. Ao abordar o tema sedução, a escola fez inúmeras referências aos contos infantis. O Lobo Mau ficou camarada, a chapeuzinho sedutora, a bruxa boazinha. A escola de samba trouxe uma ruptura nos desfechos desses contos e foi campeã aqui em São Paulo. Neste ano, o tema, da mesma escola, foi  a fé e suas nuances, em várias alegorias. Um desfile repleto de  religiosidade e misticismo, mostrou a fé de judeus a benzedeiras.  A escola provou que a crença, com muito esforço e competência,  funciona.
O termo “alegoria”, muito presente neste artigo, também aparece como metáfora. Teremos um artigo só sobre isso, no qual retomaremos “parábolas”, “fábulas” e os símbolos culturais como Páscoa e lendas! Até lá!


Daniella Barbosa Buttler: possui doutorado pela PUC-SP e é professora no Colégio Humboldt – Deutsche Schule e no Centro Universitário SENAC
daniellabar@gmail.com.br
Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias  (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br;

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A agudeza da crônica






fonte:



"Esta semana conversando sobre o papel do cronista com minha amiga IVETE IRENE DOS SANTOS, colunista neste espaço, ficamos divagando sobre o porquê de escrever crônicas, e concluímos o seguinte: “escrevemos porque simplesmente queremos traduzir em palavras nossas divagações a cerca da vida”. Por isso transcrevo aqui outras reflexões nossas: Escrever trata-se de um ato de desprendimento e ao mesmo tempo de altruísmo, sem excluir o possível egocentrismo e presunção que o leitor tenha lido em “queremos”. Explico com uma indagação: E se pensarmos que ninguém vai ler? Bom, o primeiro leitor já somos nós mesmas. O ato de escrever trata-se de realização pessoal e de deleite para nós mesmos. Ter leitor não é almejar ser famoso no sentido midiático do termo, muito menos ser imortal, mas é imortalizar um pensamento, pelo menos prolongá-lo: o ápice é alcançar a empatia do leitor e não quer dizer que queremos que concorde conosco, mas que reflita conosco, -e como somos sortudas-, temos leitores, como já escrevemos antes, que mandam comentários e questões que nos fazem pensar e repensar... e então, mais que crônica ou artigo, fazemos ENSAIO sobre a vida... Mas isso já é outra história!"






 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crônica-aula: DOS SONS ÀS LETRAS DAS PALAVRAS


 
TREINANDO A LÍNGUA! 
Dos sons às letras das palavras
Caro leitor, nessa segunda coluna, focalizarei o assunto “fonema”, “som das letras”. Em alguns momentos será necessário usar termos técnicos, mas traduzirei metalinguisticamente, ou seja, utilizarei outras palavras para explicá-los. Como prometi na coluna anterior, apresentarei como exemplos músicas, poesias, programas, cenas de novelas... Acredito que seja importante usar  os dois esteios, o tradicional e o novo- ora um exemplo atual, popular, ora obras menos conhecidas por não estarem tão presentes na mídia- com o objetivo de que vejamos as diferenças e ampliemos nosso conhecimento.
Quando comecei a rascunhar o texto, ouvi, ao sintonizar uma rádio, uma música de Belchior, relacionada indiretamente ao tema aqui proposto. Belchior é na expressão de uma música sua: aquele "rapaz latino-americano”. Outra música dele, Como nossos pais, ficou muito famosa na voz de Elis Regina, e continua com letra que registra bem a realidade atual, pois mesmo com mudanças, "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Outro trecho dessa composição soa como um trocadilho: “Não quero lhe falar\ Meu grande amor\Das coisas que aprendi\Nos discos...”. Interessante como nosso cérebro e nossos sentidos nos traem: até a adolescência cantava “que aprendi nos livros”, pois para mim, até aquela época, a aprendizagem estava associada às letras impressas. Apenas no Magistério pude estender o conceito de leitura, conhecendo a teoria do educador Paulo Freire suscitada na expressão "a leitura de mundo precede a leitura de palavras". Tive também, enquanto cursava no CEFAM, Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério,  a extensão do conceito de “comunicação”, com a definição de língua como uma forma de linguagem, portanto, uma forma de comunicação, mas não a única; há também linguagem não verbal, ou seja, é possível ler também gestos, cores, sons, formas, entre outros elementos que mesmo com outra função também nos permitem comunicar.
Mas voltemos à música do Belchior e outro trecho que eu também cantava errado: “Você pode até dizer\ Que eu estou por fora\ Ou então\ Que eu estou enganando...\ Mas é você\ Que ama o passado\ E que não vê \Que o novo sempre vem...”.  Sempre cantei que “você que anda ultrapassado”. Mas não são apenas as músicas que confundem os ouvidos, há exemplos clássicos de como o uso transformou algumas palavras e expressões: "Quem tem boca vai a Roma" é, para alguns falantes, "Quem tem boca vaia Roma"; "Cuspida e escarrada" era na verdade "Esculpida e encarnada"; “Batatinha quando nasce...” Complete... “espalha ramas pelo chão!” Outras expressões sofreram aglutinações na pronúncia: "em boa hora" tornou-se "embora"; "plano alto" tornou-se "planalto".
A língua, sendo manifestação cultural, sofre também influência social, e não estou me referindo apenas aos sotaques, mas à existência de certos fonemas. Por que associamos que japonês não pronuncia "carro", com o "r" forte?  Na verdade a dificuldade em falar uma segunda língua está na comparação com a língua materna.  Não há língua fácil ou difícil, mas diferente. Belchior, cujas composições foram escolhidas como exemplo, tem uma música intitulada Num país feliz, cujo  trecho "E o índio ia indo, inocente e nu\ Sem rei, sem lei, sem mais, ao som do sol", de certa forma retoma o Tratado descritivo do Brasil em 1587, redigido pelo cronista Gabriel Soares de Sousa. Os portugueses associavam a partir do seu ponto de vista cultural que os índios não tinham lei, nem fé, nem rei, por não terem as letras\grafemas L, R e F e os sons\fonemas. Os índios não tinham mesmo suas leis, seus reis e sua fé?
Em se tratando de língua devem ser levadas em consideração as diferenças culturais, analisando o contexto comunicativo. E na língua escrita, foco de próximas colunas, é preciso não confundir "letra" com "som", pois uma letra pode representar sons diferentes e vice-versa. Leia em voz alta essas palavras, observando, sobretudo, as letras grifadas: "máximo","exame", tóxico", "exceto", "xale", "chalé","zebra"... Quem já não ficou em dúvida como escrevê-las ou pronunciá-las?  Os olhos e a boca (quando não a cabeça) também nos traem, ainda mais quando os termos são homônimos ou parônimos. Até a próxima!
fonte: Jornal INTERATIVO/FEVEREIRO 2014 p.10


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Fábulas de Monteiro Lobato: fabulosas versões à moral.


fonte:http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196
 
Caros leitores, a proposta dessa coluna é continuarmos nosso passeio pelas fábulas e pelo tema literatura infantil. E não se pode pensar em literatura para crianças sem citar Monteiro Lobato. Embora ele também tenha escrito obras para adultos, como Urupês, Negrinha e O presidente negro, que ainda hoje provocam polêmicas e reflexões, há consenso, resumido na perífrase “Monteiro Lobato, pai da literatura infantil brasileira”, fazendo que se associe, inclusive, a data de seu aniversário, 18 de abril, ao dia do livro.
Como autor de literatura infantil consagrou-se por criar personagens e estórias próximas das expectativas e “necessidades” das crianças, cujas aventuras são lidas até hoje e ganham adaptações à linguagem teatral, televisiva e até cibernética.
A obra Fábulas,escrita em 1922, foco de nossa análise, é a segunda obra infantojuvenil do autor e explicita a concretização do projeto de Monteiro Lobato de tornar acessível às crianças estórias consagradas, não só pela adequação da linguagem mas por apresentar personagens com as quais as crianças se identifiquem. Em correspondência a Godofredo Rangel, escritor e amigo, podemos constatar a opinião de Lobato sobre as traduções das fábulas, consideradas por ele “apenas moitas e amora do mato-espinhentas e impenetráveis”.  Com o objetivo de torná-las mais atraentes havia pensado num fabulário nosso, com bichos daqui, em vez dos exóticos e assim “vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, em prosa e mexendo com as moralidades”.
      As personagens lobatianas, aquelas já apresentadas na obra A menina do nariz arrebitado, obra anterior e inaugural de Monteiro Lobato interagem indiretamente com as personagens criadas por Esopo e La Fontaine em suas estórias. Comentei na coluna anterior que o livro Fábulas inicia-se com a comparação  entre a formiga boa e a formiga má. Há metalinguagem na discussão sobre o próprio gênero transparecida no comentário de Emília sobre a inexistência de formigas más e a explicação de dona Benta dizendo que as fábulas não eram lições de História Natural, mas de Moral. A interdiscursividade, ou seja, relação entre os discursos e assuntos, ocorre pela retomada temática: várias fábulas serão figurativizações, ou seja, novas situações sobre os mesmos temas. A maneira como os textos são apresentados possibilita uma  discussão sobre a cristalização de conceitos e papel da moralidade como reflexo da sociedade e como mantenedora de ideologias. A criação de versões da mesma fábula ou de textos contrastantes já propõe uma leitura crítica desse gênero literário. Emília com seus comentários, de certa forma, convida o leitor a rever conceitos já enraizados, ou pelo menos conhecer outros pontos de vista.
     Fábulas é uma narrativa que pode ser lida em uma “sentada só” ou como novela literária, já que cada fábula pode ser lida separadamente. Ao apresentar suas versões de fábulas demonstrando que há pontos de vista diferentes, Monteiro Lobato suscita à liberdade de expressão e de leituras interpretativas. As personagens decidem rasgar e jogar fora as fábulas de que não gostam.  Pedrinho diz que muitas são a sabedoria popular e por isso precisa de tempo para digeri-las e “se não valem de muita coisa, valem por serem curtinhas”. Na opinião de Narizinho, as fábulas são  sabidíssimas, e embora preste-se atenção à fala dos animais, são as moralidades que ficam na memória. Já Emília as considera uma indireta às pessoas. Visconde, usando a retórica caracterizadora de sua personagem, teoriza que as fábulas mostram apenas duas coisas: que o mundo é dos fortes, e que o único meio de derrotar a força é a astúcia. Com esse comentário Visconde faz referência às fábulas que têm como “pano de fundo”a crítica social.
 O sítio do picapau amarelo, cenário dos enredos, lugar utópico de discussões, transpassa os limites espaciais do imaginário e das páginas do livro e se concretiza na leitura, na criticidade do leitor e nas ações do sujeito que ao ler a obra e tomar conhecimento do acervo herdado decide redescobri-lo ou reinventá-lo. E assim a fábula, mais que reflexo da moralidade, como texto, provoca reflexão. Por isso tão fabulosa, como diria Millôr Fernandes, nosso próximo autor comentado.
Edição 2752 - 15 a 21 de Fevereiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=196 (p.12)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

artigo FÁBULA. Além da moralidade!



 
Caro leitor, continuando as reflexões sobre a literatura universal e a literatura infantojuvenil, comentarei nesse artigo sobre a fábula. Sim, aquele texto que tem por principal característica animais personificados, ou seja, animais que representam as características humanas, mas não só isso. Essas considerações induzem muitas vezes classificá-la como simples textos didáticos havendo contradições e até incoerências sobre conceituações e caracterizações dos textos.

      A fábula é um gênero narrativo e um tipo textual instigante e polêmico. Alguns estudiosos ressaltam a presença de moralidade, seu caráter exemplificador e, por isso, didático. Tive a oportunidade de ser aluna de Maria Valíria de Mello Vargas, estudiosa da influência da fábula indiana na fábula universal. Tive ainda a oportunidade de ser aluna e leitora de outra estudiosa do tema, e melhor ainda, autora de várias obras classificadas como literatura infantil: Maria Lúcia Pimentel de Sampaio Góes. Ela procurou detectar os diferentes tipos da fábula brasileira e acabou por chegar a uma primeira classificatória: "fábula aprendizagem", "fábula didático- moralista", "fábula admiração" e "fábula moderna". A palavra "fábula" reveste-se de significações como: "fala", "prognóstico", "narração de sucessos fingidos", "rumor do povo" e, ainda, "contos de velhas".

       A fábula, como outras produções, surgiu para adultos (ou sem público definido) e foi, exatamente por seu caráter de registro de valores sociais e arquetípicos, incorporada à literatura infantil ao lado dos contos de fadas. E que textos, sendo produções culturais, não trazem os reflexos sociais, morais e ideológicos, se não explícitos, implícitos? O que acontece na fábula é que há um certo hiperbolismo (exagero). Há personagens animais que na verdade,ressaltam as características humanas que se quer destacar, daí surgem pelo processo metafórico, animais/ termos como "cordeiro", "formiga", "cigarra", tomados como "pessoa pacífica", "pessoa trabalhadeira", "pessoa despreocupada", mostrando as analogias por processos de metonímia (parte pelo todo), apresentadas nas narrativas. A fábula, tendo um tema central, apresenta-se como figurativização, ou seja, materialização de um conceito abstrato que pode ser suscitado num provérbio, explicitado no promítio ou no epimítio, ou seja, no começo e/ou no fim do texto. Por essas características, as fábulas se assemelham às parábolas, aos adágios e à alegoria para alguns teóricos são considerados gêneros afins e, para outros, sutis variações de fábulas.
      A fábula é um gênero que tem se atualizado e se adaptado às mudanças sociais e culturais, por meio de reescrita, pelos processos de paráfrase, paródia, estilização, constituindo um dialogismo e uma intertextualidade com os textos anteriores, por alusão na mídia e, por fim, por sua incorporação no vocabulário ativo com expressões como "a galinha dos ovos de ouro".
     Independentemente de qualquer classificação mais detalhada, a fábula é, sem dúvida, parte do imaginário cultural, bem como reflexo desses valores, já que é uma produção humana. Por isso merecerá outro artigo só para comentarmos textos, livros, novelas e filmes que recontam e polemizam as fábulas tradicionais. Até lá!
 
 

Edição 2751 - 01 a 07 de Fevereiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=187

sábado, 18 de janeiro de 2014

artigo Literatura infantil: só para crianças?

 
LITERATURA INFANTIL. SÓ PARA CRIANÇAS?

Um questionamento constante, seja no meio acadêmico, pedagógico, familiar e até midiático, é sobre a adjetivação “infantil” presente na expressão “literatura infantil”. Há muitas formas de se abordar um texto ou uma produção cultural, e isto ocorre, por extensão, com os contos de fadas e outras produções destinadas ao ou adotadas pelo e para o público infantil. Tema polêmico, seja no que se refere às suas origens, seja na forma de tomá-la para estudos, seja na sua utilização: para leitura fruição, utilização didática, artística, terapêutica. Joana Cavalcanti, em Caminhos da literatura infantil e juvenil/dinâmicas e vivências na ação pedagógica, resume que há várias teorias que versam sobre os contos de fadas e suas origens.
            Há pesquisas linguísticas, sociológicas e psicanalíticas que numa perspectiva interdisciplinar ora se polemizam, ora se complementam. Enfatizaremos, aqui, a abordagem psicanalítica, como os contos de fadas e maravilhosos podem falar ao inconsciente. Segundo, ainda, Cavalcanti, “a criança iniciada no mundo da leitura é alguém que pode ampliar sua visão do outro, que pode adentrar no universo do simbólico e construir para si uma realidade mais carregada de sentido.” Mas o mais interessante é constatar as revisitações em obras não necessariamente para crianças. Comentemos algumas:
           O filme As mil e uma noites  apresenta numa de suas cenas iniciais o seguinte diálogo entre o contador e a Sherazade: “Essa gente fica horas só te ouvindo”, “É que eles precisam mais de estórias que de pão, elas nos ensinam porque viver e como viver”. Os contos respondem às inquietudes e possibilitam o equilíbrio interior, todavia englobam a interpretação literária e literal. São as narrativas que em As mil e uma noites libertam Shariar e por consequência as mulheres e o povo. Shariar encontra nas narrativas a tranqüilidade psicológica e a exemplaridade. O mesmo acontece no filme Inteligência Artificial: a personagem principal, um robô, encontra na história de Pinóquio inspiração e esperanças para sua vida.
         Em outra produção cinematográfica, Novo pesadelo, o retorno de Freddy Krueger, uma criança, filho da atriz que estrelara vários filmes da série A hora do pesadelo, mata o Freddy (esse filme é metalinguístico, pois tematiza que o Freddy, ficção para as personagens, na verdade era real e se alimentava dos filmes produzidos). Em várias cenas noturnas aparece a mãe contando a narrativa João e Maria. Quando começava a narrar o episódio da bruxa, a mãe sempre ameaçava parar, todavia, a criança pedia para que fosse ao fim, pois a criança precisava saber que a bruxa morreria no final. Em uma análise psicanalítica do filme, podemos considerar nessa cena a necessidade de entrar em contato com a problemática na narrativa, mas também com a solução. Segundo Amarilis Pavoni, em seu livro Os contos e os mitos no ensino: uma abordagem junguiana, “não é conveniente contar às crianças histórias cujo final não seja feliz. Elas precisam travar no inconsciente uma luta feroz, mas, para vencerem, é necessário que cumpram o ciclo: medo/ luta/ vitória, problema/ a busca da solução etc.”
         O final do filme é como no conto João e Maria: a criança mata o Freddy: indo ao universo dos pesadelos e deixando as cápsulas de sonífero para que a mãe saiba o caminho. Ao entrar num depósito cheio de fornos, como Maria, se esconde ao fundo e quando Freddy entra, o menino sai correndo e o prende deixando “o monstro” morrer queimado. Freddy pode ser a simbologia do próprio inconsciente, uma vez que ele representa o temido e projeta para cada indivíduo (personagem do filme) o pesadelo que ele mais temia, subtraindo ainda as pessoas, as coisas que o indivíduo mais desejava. Matar o monstro significava libertar-se, vencer a si mesmo.
          Vencer os desafios, ajudados ou não, é uma temática presente em várias narrativas clássicas. Talvez por isso (hipótese para outros artigos) alguns textos bíblicos tenham virado estórias e livros, que lidos mesmo sem o cunho religioso, falam ao indivíduo fortalecendo-o para sua caminhada existencial. Continuemos!
Edição 2749 - 18 a 24 de Janeiro de 2014 http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=179

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

ANO NOVO, COLUNA NOVA. jornal interATIVO.

Jornal Interativo, Edição de Janeiro 2014.
ANO NOVO! COLUNA NOVA!
Saiba mais sobre a língua!
 
Caro leitor do jornal INTERATIVO, possivelmente,  ao folhear o jornal,  você já tenha notado a existência desta nova coluna. Ano novo, coluna nova! Aproveito para renovar os votos de um Feliz 2014!
Gostaria de me apresentar: sou  Ivete Irene dos Santos e, além de leitora do jornal, sou professora de língua, literatura e redação, e a exemplo de escritores e educadores colunistas de outros jornais e revistas quero, humildemente, compartilhar dúvidas e conhecimentos sobre a Língua Portuguesa.
Mesmo sendo a nossa língua pátria, com a qual nos comunicamos com amigos, com nossos familiares, a qual utilizamos no meio profissional, quantas vezes não ficamos inseguros sobre a correção ou a adequação do que estamos falando ou escrevendo?
A coluna não será uma aula formal, será uma conversa na qual serão apresentadas dicas práticas e reflexões a partir de situações do cotidiano, com exemplos de trechos de músicas, de propagandas, de poesias, de frases de caminhões, de placas, de trechos de novelas, de “palavras que estão na boca do povo” e até mesmo de dúvidas enviadas pelos leitores, por e-mail.
Que tal começarmos  nossa reflexão? Utilizei no segundo parágrafo o termo “língua”, mas outra palavra que será muito utilizada será “linguagem”. São sinônimas?
“Linguagem” é um termo mais abrangente, corresponde a todo sistema de sinais que é utilizado como elemento de comunicação, mesmo que inicialmente não tenha sido criado para essa função: uma cor em um semáforo, um gesto, um símbolo na porta de um banheiro e até mesmo uma roupa... Por exemplo, alguém vestido de branco proporciona as seguintes hipóteses: pode ser um médico, dentista, cabeleireiro, enfermeiro, babá, cuidador de idosos... Se for primeiro de janeiro, o branco pode ser uma referência à paz ou  ao réveillon.   
“Língua” é uma linguagem verbal. “Verbal” é, nesse contexto, sinônimo de “palavra”. Assim como a linguagem pode ser subclassificada em linguagem verbal ou  não-verbal, a língua tem subclassificações e variações. Essas variações serão o tema da próxima coluna. Encontramo-nos! Até lá!
Contatos: www.ivetando.pro.br 
 


Postagens populares