quinta-feira, 31 de julho de 2014
domingo, 27 de julho de 2014
Não meta fora as metáforas!
Edição 2776 (26.07 a 01.08.2014)
Existem alguns livros, ou imagens, que funcionam como chave para despertar a lembrança de um fato ou de alguém. Impossível, nas férias, não olhar os meus álbuns e não pensar na viagem que fiz ao Chile, e não pensar nas minhas buscas mais literárias: a compra dos menores livros que tenho, entre eles O pequeno príncipe, do tamanho de uma caixa de fósforos, e a visita à casa de Pablo Neruda.
Impossível não pensar nesse autor e não me lembrar do filme O carteiro e o poeta e não querer assisti-lo novamente. Impossível não assisti-lo e não pensar na pesquisadora Mara Sophia Zanotto. Não, caro leitor, ela não é uma pesquisadora de literatura chilena, mas de metáforas, e por extensão, de poesias, embora metáforas não se restrinjam ao discurso literário. Exemplifico em uma digressão oportuna: Quem nunca disse as expressões "Fulano está de braços cruzados", "Ele anda de cabeça baixa", "Estava atrasado, vim voando", " Fiquei de cabelo em pé com o que ouvi", "Ela é uma mão-de-vaca!?"
Mesmo expressões já cristalizadas, nem percebidas como termos figurados, ou seja, não-literais, podem ser considerados como metáforas ou mais especificamente catacrese: "engatar o carro", "céu da boca", "batata da perna", "dente de alho", "braço da cadeira"...
No filme O carteiro e o poeta, baseado no livro de Antonio Skármeta , ao carteiro que se torna seu fã e amigo, Pablo Neruda numa conversa explica a função da metáfora:
"Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra. (...) Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?" e Marcos responde: "Ora, fácil! Que está chovendo, ué!"
A personagem parece não aceitar o termo técnico "E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?" mas em outro trecho diz identificar-se com a poesia de Neruda, como se sentisse aquilo sugerido na poesia, mas não conseguisse dizê-lo tão bem como o autor. E talvez essa seja a função da metáfora, sugerir o indizível, pode haver um nome técnico para "maçã do rosto", por exemplo, mas é tão mais poético assim dizê-lo.
A professora Mara (doce, ao contrário do que esse radical sugere) não é poeta, mas propõe, em suas pesquisas, como trabalhar a interpretação de poesias, com um técnica "Pensar alto em grupo". Não quer dizer que tudo que "enxergamos" em uma poesia é aceitável, para a leitura ser válida, deve ser justificada com elementos do próprio texto, ou a partir do texto, mas aquela pergunta presente em vários questionários: "o que o autor quis dizer no trecho x ?" é indevida, pois, embora seja validada ou não pelo texto, não se encerra na validação do escritor. Quantas vezes lemos um texto de própria autoria e nem nos lembramos das motivações ao escrevê-lo? Não quer dizer que o texto não continue tendo sentido.
Retomando o livro / filme O carteiro e o poeta, citemos o carteiro Marcos, que poetiza a apropriação que os leitores fazem de um texto: "A poesia não pertence a quem a escreve, mas a quem precisa dela".
A poesia não é só o que está escrito, mas o que lemos dela. Outra passagem do livro/filme significativa para mim é "o mundo inteiro é metáfora para outra coisa qualquer", ou seja, há poesia na vida, se enxergamos; e vida na poesia, se a lermos. A poesia, e por extensão o texto literário, é uma forma de explicar, registrar e sentir a vida pois, como sucinta o educador Paulo Freire, "a leitura de mundo precede a leitura das palavras!" e acrescentamos: se complementam e se ressignificam!
sexta-feira, 18 de julho de 2014
JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!
Edição 2760 - 05 a 11 de
Abril de 2014 p.5
Já comentei sobre
José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto
muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao
contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer",
para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em
seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa
autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora
não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o
local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria,
possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O
grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se
tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da
escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de
leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e
prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão
diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta:
"Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de
lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não
teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de
casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo,
antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade
aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do
Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato",
revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em
As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha
sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para
cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O
laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as
leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu
encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a
bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte
de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do
trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na
vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua
vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a
qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de
Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia
não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem
a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos
ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de
seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem
publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do
seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas,
numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste
coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que
compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva
, sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois
mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna
esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se
definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor
como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado
nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a
cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna
à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se
esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como
voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não
pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de
vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com
a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a
narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta
querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser
poetas!
sábado, 5 de julho de 2014
Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
Caros leitores, vocês sabem de meus interesses lingüísticos. Como professora de Língua portuguesa, interesso-me pela magia das palavras presentes no discurso sob suas várias roupagens, dentre elas a poeticidade da literatura. Já revelei também minha paixão pela família e pelo lirismo que é acompanhar o desenvolvimento de um ser ética e moralmente. Comentarei aqui o tema "madrinha", pois esse termo embora seja constantemente associado à questão religiosa, em cerimônias de batismo, casamento e formatura, está relacionado também à literatura: A casa da madrinha, de Ligia Bonjuga é uma dessas obras, além dos contos com fadas ou outras personagens adjuvantes que ajudam o protagonista.
Para mim que não tenho irmãos, sim sou órfã fraterna, só restou o papel de prima, e acho que seria restritivo ser chamada genericamente de tia. Que bom que a vida deu um jeito de unir pessoas e possibilitou um outro traço à concepção de família: as amizades, e tornei-me madrinha, tomei crianças como aFILHadas, talvez como o mais perto que pudesse ser de mãe e de fada, inspirada nas pessoas que foram importantes para mim como madrinhas.
Eu tive uma madrinha oficializada em cerimônia religiosa, a Madrinha Edinete, da qual ganhei a primeira boneca de pano e o Surileia Mãe Monstrinha, de Eva Furnari, que muito me ajudou a aprender a dividir a mãe e compreender a necessidade de minha mãe trabalhar fora. Tive várias fadas madrinhas, Elizete Roncato que me ensinou tantos dos valores morais éticos que hoje tenho e me ensinou a sonhar , patrocinando os primeiros materiais escolares, as primeiras idas a cinema, as assinaturas de jornais. Zélia Borges, que mais que minha orientadora foi minha fada madrinha pois acreditou em mim em apenas uma conversa sobre a paixão por Monteiro Lobato. E se tornou parte da minha vida.
Tenho, há 20 anos acompanhado a trajetória de alguns seres que, como disse, tomei como afilhados e aí criei a intertextualidade com outro conto : Branca de neve e os sete afilhadinhos, embora estivesse mais para palhaça, pois em festas familiares e na Fundação Marcio Eduardo Barone Brandão, onde era madrinha voluntária, fazia animações de palhaça, ora com meus primos, ora com meu amigo Jaime. Meus afilhados, agora adolescentes, Bianca, Agnes, Thaíse, Kauê, Jeisy, Douglas e outros que adotei sem o vínculo religioso (Lucas, Rafael, Beatriz, Pâmela, Paloma, Pepê, Marina, Juninho, Gabriela, Vanessa, Andressa ) eram meus álibis para os filmes infantis.
De certa forma, seja madrinha pelo aspecto religioso cristão, seja pelo símbolo pagão presente nos contos de fadas, madrinha é aquela que está ao lado, como fada, se não para realizar os desejos, para ajudar na concretização dos objetivos e na caminhada da vida.
Abraço, agora, a nova geração, e sou abraçada por eles, aumentando a corrente familiar: Gustavo, Manuela, Sophia, Ester, Arthur, Ana Luiza, Pedrinho, entre outros. Afirmo sempre: não fiquei para titia, fiquei para madrinha, no doce papel de inventar e viver histórias de afetos.
sábado, 7 de junho de 2014
LIVROS para ser LIVRE
No dia 18
de abril comemorou-se o Dia do Livro Infantil e o aniversário de Monteiro
Lobato, considerado o pai da Literatura Infantil Brasileira. No dia 23 de abril foi comemorado o Dia
Mundial do Livro e dos Direitos do Autor. É oportuno, portanto, que comentemos
sobre livro e leitura, pois são temas para inesgotáveis reflexões.
Livro é
associado ao contexto escolar, pois, muitas vezes, o contato que as pessoas
têm, senão é restrito a esse contexto, é permeado pela memória das experiências
discentes. Isso é lamentável, pois na sociedade letrada todos são responsáveis pelo estímulo à leitura. Não
estou isentando o papel da escola, pelo contrário, – como foi discutido na
coluna em que escrevi José Paulo Paes –, a escola é formadora de leitores:
apresentando obras e os autores considerados clássicos na tradição escolar e na
tradição cultural, pelos recursos linguísticos e literários e pelo próprio
enredo. A literatura considerada clássica ou universal se torna atemporal por
tratar de temas arquetípicos e metaforicamente adaptáveis às várias situações.
Um best-seller pode se consagrar pelo tema e pela vendagem, mas não
necessariamente se perpetuará como um texto clássico pelas qualidades textuais.
Isso não quer dizer que devam ser menosprezados. Inicialmente defendemos:
quaisquer e todas as leituras são válidas, sobretudo para a aquisição de acervo
e repertório, para a comparação de enredos, estilos, gêneros... Mas informação
é diferente de conhecimento. Enquanto aquela é geralmente superficial e
efêmera, essa é acumulativa. Por isso a
busca, em uma sociedade, é por uma leitura qualitativa, fruitiva e estimulante
psicológica e cognitivamente.
Há livros
e livros, e o contato com várias obras deve ser incentivado por todos. Para os
bebês já existem os livros de pano e os livros de plástico. Para as crianças há
os livros só de imagens com os quais elas podem criar as narrativas. Mas os
pais podem e devem contar estórias.
Antes do contato decodificador com as letras, há o contato visual,
material e tátil com o livro. Assim como no processo de desenvolvimento da
fala, a audição de estórias é um estímulo para a criação e recriação oral e
depois escrita.
Assim
como os brinquedos, os livros devem estar acessíveis às crianças, espalhados
pela casa, como estão os outros objetos. E nas datas comemorativas, por que não
presentear com livros? Alguns dirão: “Puxa que chato, livro de
presente”. É preciso associar: livro é tão legal, que é presente de
aniversário, de dia das crianças, de natal... E mais que discurso, deve ser prática de pais, de
educadores e da sociedade. Pais devem estar com livros, revistas e jornais à
mão. Em quais cenas de uma novela se vê alguém lendo um livro? Mesmo em
filmes essa cena é rara e, geralmente,
quando aparece, tem um caráter explicitamente artificial e didático. Quantas
vezes na minha infância ouvi adultos dizerem “Se fizer bagunça, vai ficar de
castigo estudando ou lendo!”. Por isso, posso dizer que há muito tempo percebo
um desincentivo à leitura, mas isso não é impossível de reverter, pois vejo
também práticas incentivadoras, ainda que tímidas.
Em
parques públicos há bibliotecas, há quiosques de leituras, associando leitura a
lazer. Em estações de metrô, há máquinas que vendem livros, associando a
leitura a uma utilização produtiva do tempo em trânsito e convidando a um
deslocamento para o conhecimento, para outros mundos tematizados na obra.
Hoje, há os e-books, há bibliotecas virtuais, acessíveis
a um clique do computador ou do celular; há também as estórias adaptadas para
outras mídias. Mas já defendemos em várias colunas que as formas de divulgação
de cultura não são excludentes, então por que temos que nos furtar do contato
com os livros?
sábado, 17 de maio de 2014
VOGAIS!
Ainda sobre letras e melodias: vogais.
Quando questionado quantas vogais temos no alfabeto é comum dizer
cinco. Há de fato cinco letras, mas os sons são mais: doze. Constate a
pronúncia das mesmas vogais em cAsa, cANto,vocÊ, cafÉ,ontEM, PIauÍ, AmendoIM,
vovÔ, cOMpra, dÓ,cajU, rUM.
Reiteramos o que afirmamos na coluna anteior: fonema (som) é
diferente de letra. São doze os fonemas vocálicos: a ou á, ã (an ou am);
é, e ou ê, en ou em; i ou í, in ou im; o
ou ô , ó, on ou om; u, un ou um. Mas qual a
diferença entre vogais e consoantes? Vogais são aqueles sons
produzidos com a passagem livre do ar
pela boca. Faça o teste, você consegue
pronunciar as vogais com a boca aberta. Já as consoantes são um fonema
pronunciado com a interrupção do ar. Faça o teste, você não consegue pronunciar
as consoantes sem utilizar os dentes, língua ou lábios. Na formação das
sílabas, ou seja, emissão de voz, é sempre necessária a presença de uma vogal,
ou seja, a consoante precisa dela para formar sílabas e ser pronunciada. A
vogal, não. Separe as sílabas de “amor”, “homenagem”, “abstrato”.
Algumas curiosidades ainda sobre letras e fonemas: o “h”, na
língua portuguesa, é considerado uma letra, mas não um fonema (na língua
inglesa, há palavras em que o “h”é consoante, como em “hot-dog”). O “w”, ora é
consoante, como em Wagner, ora é vogal, como em Wellington.
Você deve ter notado que, em alguns exemplos, letras que são
consideradas consoantes foram grafadas em caixa alta (maiúsculo). Quando o
"m" e "n" acompanham uma vogal para indicar nasalização,
eles são uma letra, mas não são fonemas
independentes. Esse fenômeno chama-se dígrafo: "duas letras, um só
som". Em sílaba final, a
nasalização do "a" é apresentada pelo til (~), um sinal
gráfico, e não acento, como muitos associam. Há também dígrafos compostos só
por consoantes, mas isso será tema da próxima coluna. Até lá!
sábado, 26 de abril de 2014
Para onde as ondas do rádio me levam!
Cresci ouvindo o rádio, devido à influência dos meus pais. E cresci no sentido metafórico e literal. Dependendo do turno da escola, acompanhava os programas durante um ano, como novelas, ou como jornais. Digo que cresci metaforicamente porque parte do meu interesse como amante das narrativas se deu por ouvir as narrativas de cartas, as histórias biográficas: quadros como o Que saudade de você!, do Eli Correia; De Coração para coração, de Paulo Lopes; e os desabafos das amigas–ouvintes de Paulo Barbosa.
Não eram só as histórias que me interessavam, mas também o que tornava a narrativa sedutora: a maneira envolvente de tecer o fio da trama,, criando o clímax e o suspense; o lirismo de transformar um relato em uma homenagem; mesmo uma história comum, era instigante para muitos ouvintes, que se identificavam naqueles vieses emprestados da experiência do outro. Algumas cartas relatadas no programa Eli Correia até viraram livro e outras histórias com tons de terror e misticismo ganharam encenação em programas de TV.
Reforço: não era a história em si, mas a maneira de narrar, as escolhas de palavras, a condução da narrativa que causava a repercussão entre os ouvintes. E como eram narrativas orais, a maneira do locutor impulsionar a voz, fazer as pausas, fazer as repetições, alongar a palavra, imitar os barulhos, era o que me envolvia. Gil Gomes é imortalizado como um ícone das histórias de crimes, de lendas urbanas, de casos enigmáticos. Confesso, gostava dos medos que eu sentia, de histórias que pareciam inacreditáveis de tanta maldade impregnada na trama.Eu preferia acreditar que eram mesmo ficção.
Ouvia também os programas dedicados a músicas românticas, programas que se encerravam com relatos de histórias de amor. Também achava interessantes as reconstruções da narrativa que tornavam as histórias emocionantes fazendo crer que os tais contos de fadas e contos de amor não faziam parte apenas da literatura, mas também de documentários e de biografias. Eu e minha prima Lu ficamos horas conversando sobre o que escutávamos e projetando como seria o futuro.
Como eu já relatei em outra crônica, na infância, o meu acesso a livros era limitado,e mesmo a televisão tinha os horários definidos devido às tarefas domésticas. Os programas de debates, sobretudo do Paulo Lopes, ajudaram na minha formação crítica, pois apresentavam pontos de vista diferentes e discutiam os temas contemporâneos, com participantes especialistas nos temas, mas também dando voz ao ouvinte. Hoje ouço os programas nos arquivos dos sites das rádios e, em um dia, consigo ouvir meses e meses dos quadros.
Ainda ouço rádio, sobretudo no trânsito, mas agora ao encontro de músicas. Digo ao encontro de músicas, porque, como brinco, são as músicas que nos escolhem, surpreendentemente. É fácil, com tanta tecnologia, selecionar as músicas que se quer ouvir: estão quase todas lá na internet, senão nos pendrives ou nos cds. Ouvir a rádio não é selecionar a música, é ser escolhido. Quantas vezes vezes, não fui resgatada por uma música da infância, e abduzida pelas memórias...?
Uma música me levou ao encontro de uma cena esquecida. Foi uma música dessas que me fez lembrar das experiências de infância e adolescência (uma"leitura" da vida por meio do rádio) e me despertou a vontade, naquele momento, de sintonizar o rádio no AM e reencontrar também os radialistas que ainda fazem companhia, do bom-dia ao boa-noite, à dona Irene, minha mãe.
domingo, 13 de abril de 2014
Ainda sobre sons e melodias!
TREINANDO A LÍNGUA!
Ainda sobre
letras e melodias
É comum quando questionados
quantas letras há no alfabeto,
respondermos 23. Mas com a reforma ortográfica, o "k", "y"
e "w" são considerados pertencentes ao nosso alfabeto, totalizando 26
letras. E por falar do termo “alfabeto”, esse nome é a junção do nome de duas
letras gregas "alfa" e "beta", correspondentes ao nosso
"a" e "b". Na verdade, temos influência de outras culturas,
mas a origem de nossa língua é a latina, como o espanhol, o italiano, o francês e o romeno, por isso é mais fácil aprendê-las
(e confundi-las) pela similaridade da origem.
Na década de 90 uma música fez muito
sucesso, nas versões em espanhol, Amores Extraños,de Laura Pausini;
em italiano, foi interpretada por Renato Russo, Strani Amori , e em português tornou-se Amores estranhos, interpretada por Jayne. Outra versão, a
interpretada por Andressa, foi trilha sonora da novela Anjo de mim. A existência de várias versões remete a outra
discussão: não há tradução perfeita, há adaptações culturais, sobretudo em
música para manter o ritmo e mesmo a expressividade do sentimento. Mas voltemos
a tratar de alfabeto, de letras e de fonemas, incitados pela música ABC do sertão:" Lá no meu sertão pros caboclo lê/Têm que
aprender outro ABC (...)/Na escola é engraçado ouvir-se tanto "ê"/A,
bê, cê, dê,/ Fê, guê, lê, mê,/ Nê, pê, quê, rê, /Tê, vê e Zê".
Letra é diferente de fonema e nome da letra é diferente do
nome do fonema. Todo fonema consoante é lido como "ê" (som aberto). É
aos fonemas que Luiz Gonzaga, rei do baião,poeticamente se refere.
sábado, 5 de abril de 2014
JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
Caro leitor, já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!
Assinar:
Postagens (Atom)
Postagens populares
-
Desde meus 10 anos, lá na quinta série, escrevo. Aquelas poesias e contos que se mostra aos professores, aos amigos, aos amores... Algumas,...
-
A IMPORTÂNCIA A LÍNGUA PORTUGUESA NO CONTEXTO PROFISSIONAL Muita coisa mudou no mundo empresarial, por isso é comum encontr...
-
http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=145 página 4 Edição 2739 - 26 de Outubro a 01 de Novembro de 2013 Na semana anteri...
-
Para muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a con...
-
. . . Provavelmente, (para os outros), o fato mais poético de minha vida Seja ter me criado na rua Contos Amazônicos Subúrbio, perife...
-
Entre um mau dia e um boa-noite, uma crônica Numa dessas noites, quando começava adormecer, o telefone tocou. Atendi-o em estado de son...
-
À AMIGA De repente estava ali Fazendo parte da minha vida Como são os amigos, sorrateiros, envolventes Furtam, com a permissão de deus, a...
-
Ainda sobre letras e melodias: vogais. Quando questionado quantas vogais temos no alfabeto é comum dizer cinco. Há...
-
http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=76 Continuando a temática da coluna anteri...