sábado, 24 de agosto de 2013

crônica VIDA DE CÃO?

 
 
 
Retomo aqui as minhas origens como colunista de jornal: abordarei mais questões linguísticas que literárias, embora haja uma intersecção entre ambas. Comecei em novembro com a Coluna Em dia com a língua,  em que  pretendia abordar questões de linguagem, sobretudo linguagem verbal e norma culta, mas como eu afirmei, alguns conceitos estão inerentes às duas áreas: “intertextualidade”, por exemplo. Pesquisando depois sobre a expressão a qual se tornara o  nome da coluna, deparei-me com a existência de um livro com o mesmo nome. É a questão de autenticidade e plágio abordada na crônica Reescritas e releituras. Lendo nas férias de julho crônicas de autores dos quais eu gosto, deparei-me com uma crônica intitulada “O nome das coisas”, de Deonisio da Silva, no livro  A língua nossa de cada dia. Meu Deus, o mesmo nome de minha última crônica sob o título da coluna Em dia com a língua! Reforço, a inocência, defendo a coincidência de pensamentos, a interdiscursividade presente ao se escrever sobre temas correlatos.
Mas você leitor deve estar se perguntando sobre o título  desta crônica. O que isso tem a ver com vida de cão? Motivada pela  questão de intertextualidade, fiquei pensando nas expressões que repetimos e nem sabemos mais a autoria ou não nos damos conta do significado. Pensei em tudo isso assistindo a programas sobre animais domésticos, sobretudo sob a influência de meu marido que é fotógrafo e tem se especializado em fotografar animais. Poderia ser uma crônica sobre afetividade, vida doméstica, relação homem-animal, e é tudo isso, pois os exemplos resumirão essas relações.
Séculos atrás, ou mais recentemente, décadas atrás, dizer que se tinha uma vida de cão conotava uma vida sofrida.  O dicionário Houaiss registra o sentido metafórico de cão como “pessoa muito má, vil” , sem deixar de citar associação ao termo “diabo”, muitas  vezes ressaltado na expressão “cão dos infernos”. Uma personagem de uma novela usava a expressão “vira-lata” para se referir a pessoas que não pertencia ao núcleo socioeconômico e cultural da personagem “com pedigree”.
Mais atualmente, os cães têm se tornando mais próximos aos humanos, ganhando afeto e despertando afeto nos humanos. A sociedade mudou, muitos têm podido humanizar os seus animais, à revelia de alguns. Na década de 80, por exemplo, o  Rock das cachorras incitava:    “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. Nos anos noventas, a TV Colosso substituiu o programa da Xuxa; Nesta década, temos horários reservados aos programas sobre animais, revistas especializadas, e serviços específicos, antes destinados só aos humanos.  Ou seja, o ramo que  mais cresce é reacionado aos pets; sim, outra questão linguística: o termo está incorporando e cito página “fotopet.com.br”. Por isso “vida de cão” pode significar, hoje, uma vida invejável.
Os animais sempre estiveram no imaginário cultural e linguístico: “Ele é um gato!”, “idade da loba”, coruja como símbolo de  sabedoria, dois pombos como símbolo de amor,  os pinguins como símbolo da família, borboleta como símbolo da mudança...  Nem sempre os símbolos são positivos, por exemplo: hiena, cigarra, tartaruga, vaca, galinha, burro, asno, porco, cobra, macaco, anta, paca, entre outros, são muitas vezes associações  vilipendiosas.
Eu trabalharei  com as fábulas em meu mestrado, considero-as mais que metáforas,  destaco as relações metonímicas, pois associamos por um aspecto dentre vários existentes no animal. Por isso gosto tanto das paródias, pois elas apresentam e polemizam outros aspectos . No poema Sem barra, José Paulo Paes destaca: “Mas sem a cantiga / da cigarra/ que distrai da fadiga,/ seria uma barra/ o trabalho da formiga.” Nas  inúmeras versões de Chapeuzinho vermelho e o lobo o enredo, e o próprio título,  propõem outras reflexões  Chapeuzinho e o lobo guará.; Chapeuzinho vermelho e lobo não tão mau assim; Chapezinho vermelho politicamente correto;  Outras obras também suscitam reflexões sobre a relação homem-animal ou mesmo homem-homem, como o filme O planeta dos macacos ou os livros A revolução dos bichos de  George Orwell e Os saltimbancos, de Chico Buarque, prosopopeias. 
Gosto, ainda, hábito de infância, de referir-me a pessoas por uma característica que as identifique, pois nem todos os meus amigos se conhecem pessoalmente e, confesso, às vezes é por uma associação a um animal. Claro que em tempo em que a língua deve ser politicamente correta, sempre me preocupo com o tal bullying. Ana Grasi,  por exemplo, é identificada em meu discurso como Ana Jabuti, pois tenho várias amigas “Anas”.  Ana Jabuti,  como eu, adora os quelônios e, em meio às discussões sobre a revolução tecnológica, pois ela é doutora em Ciência da Computação, divagamos sobre o nosso estimado animal. Não enxergamos neles a lerdeza da qual falam,  desejamos ter vida longa como eles, e carregar a casa nas costas...
 
Edição 2730 - 24 a 30 de agosto de 2013

sábado, 10 de agosto de 2013

Crônica SENDO POETAS EM UM MUNDO CADUCO!

Começo retomando a crônica da Daniella Barbosa publicada na semana passada. Inicialmente, para agradecer ao que chamaria homenagem, mas principalmente, quero agradecer à  parceria, estendida aos leitores que têm também contribuído com manifestações positivas em e-mails e mídias sociais, compartilhando mensagens, livros e informações literárias.  Retomo aqui também as reflexões sobre intertextualidade e sobre o poetar como ação, talvez  imbuída pelo dia do escritor, comemorado dia 26 de julho, e pelo contato mais próximo com amantes da literatura:
Li o livro Crônicas  Natalinas, enviado por E. Figueiredo. O livro  não se restringe ao tema proposto no título, sintetiza: “é nessa fase, fim do ano, que mais revisitamos  nossa história” . E o autor rememora as mudanças ocorridas na língua portuguesa, nas crônicas Nostalgia e UAi!; revive suas primeiras leituras em Euseitudo! , Os três mosqueteiros eram quatro! e nas narrativas sobre os super-heróis e sacis, sem deixar de citar os outros textos que remetem à história do Brasil e nos convidam a repensar nossa própria vida. Também propõe isso Vera Maria Barbosa.
Essa autora que tem vários outros escritos e alimenta um blog com seu poetar,  presenteou-nos com o livro Falando à alma. Com temática que inicialmente o classificaria como autoajuda, tem aspectos literários expressivos: nas antíteses propostas na construção das crônicas Amigo, Amor e paixão, e É bom; na intertextualidade proposta na retomada e no repensar textos religiosos  e textos poéticos, provocando o leitor a se perguntar “Foi Pessoa? Ou foi Camões?”; Na metaforização de comparar o ser humano à água, ao rio que tornam os seus textos parábolas, permitindo uma pluralidade de leituras, como já defendemos.
Também apresento aqui um tom mais subjetivo, testemunhando que isso não diminui  o valor do texto, uma vez que o relato  pessoal pode refletir o coletivo : a literatura como metáfora apresenta múltiplas leituras e interpretações. “O que deveras sente”, o “fingimento poético”,  o aparentemente, mas não necessariamente biográfico e singular podem “ metonimizar” o coletivo, como tematizaram  Drummond no poema Canção AmigaEu preparo uma canção/ em que minha mãe se reconheça,/ todas as mães se reconheçam,/ e que fale como dois olhos” e Fernando Pessoa em Autopsicografia:O poeta é um fingidor. /Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor /A dor que deveras sente. //E os que leem o que escreve, /Na dor lida sentem bem, /Não as duas que ele teve, /Mas só a que eles não têm.”
Dia 21 de julho tive a oportunidade de ir ao evento da COOPERIFA na biblioteca Mário de Andrade. Vários acontecimentos culminaram em uma emoção singular. Emocionou-me  o fato de eu saber   do evento por uma ex-aluna, e hoje colega de profissão, Elaine Martins: amante e divulgadora da poesia, como educadora e como integrante do grupo. Revivi ainda, mentalmente, o primeiro sarau “público” para divulgação das poesias ganhadoras de um concurso literário no qual participei em 1996, naquele mesmo local.
E pensando como a poesia é mesmo metafórica, pois mesmo abordando temas específicos sobre os problemas da região, extremo-sul, como é referenciada em muitos textos de divulgação sobre o grupo, os poetas falam sim da realidade singular da região do Capão Redondo, mas num “quiasmo discursivo”  recuperam discursos de outros poetas, ou seja, tratam de inquietudes que refletem os problemas gerais, as inquietudes humanas e sociais, como as  levadas à ruas nas passeatas em junho, textualizadas em poesias panfletárias  ou não, contemporâneas ou clássicas. Reli, por meio da declamação e retextualização dos poetas da COOPERIFA: A flor e a náusea, de Drummond; Águas de março, de Tom Jobim, sem listar as centenas de poetas que me vieram à cabeça, resgatados pelo que ouvia. E o melhor, ouvir o encerramento emblemático: “A poesia venceu novamente!”, como o hino do grupo,  encheu-me  de uma estimulante perseverança e certeza: “Sim, poetar é lutar!”... e não há papéis , ou leitura determinada nesse processo. Eram do tal extremo-sul, encontram-se no bar biblio-poético às quartas-feiras, mas estavam ali, no centro de São Paulo, na biblioteca, em uma poesia viva, num sábado, e sempre nos blog, em vídeos, em redes sociais. É o grupo, a poesia, rompendo fronteiras geográficas e temporais.
Eu, às vezes, ouso escrever, mas tenho sido, prazerosamente, mais leitora e, por meio das relações permeadas pela paixão pela literatura, educação,  estendem-se, de forma hipertextual as reflexões e, sobretudo as amizades. Assim, polemizando a provocação proposta por  Drummond, ousamos, juntos, ser poetas nesse mundo caduco.
Edicao-2728-10-a-16-de-agosto-de-2013 (página 26) http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=115

sábado, 3 de agosto de 2013

Crônica AMIZADE ENTRE PESSOAS E LUGARES

Edição 2727 - 03 a 09 de agosto de 2013
 
Talvez imbuída pelo dia do amigo, comemorado no dia 20 de julho, a amizade  será o tema dessa crônica.  Não posso dizer que a Ivete Irene dos Santos, colunista neste espaço,  não estará presente  no texto, já que o tema é a amizade, e ela, companheira de discussões, estará presente em muitas das reflexões que farei aqui, até mesmo por que, nas semanas anteriores escrevemos sobre intertextualidade, interdiscursividade e originalidade, e comentamos como é impossível textos e discursos autênticos uma vez que recuperamos as produções já existentes. Como proposto no título, quero estender a amizade entre pessoas e lugares por que outras reflexões têm me permeado a cabeça nessas férias.
Tenho que contar um pouco da minha trajetória: não nasci em São Paulo, embora sempre me descreva como santamarense, e mais especificamente como moradora de Interlagos, minha relação com o lugar surgiu depois. Sou carioca e vim morar em São Paulo com três anos, na região do Campo Limpo. Conheci a Ivete em 2002, quando cursávamos o Mestrado e me lembro como foi nosso primeiro contato: mais extrovertida, na hora da apresentação informal, ela  perguntou “Alguém mora em Santo Amaro? Pois tenho a intuição que começarei uma longa amizade com uma moradora de lá e ela começará me dando uma carona”. De fato começava uma amizade, envolvida, inicialmente, pela paixão pelas Letras, já que fomos fazer Mestrado nessa área e depois por outras afinidades que surgiriam ou descobriríamos. A Ivete era apaixonada por Interlagos, nasceu aqui e achava que seu destino poético já tinha sido traçado antes mesmo de nascer: sua rua era Contos Amazônicos,  duplamente poético: explicitamente pelo nome e pela referência à obra do paraense Inglês de Sousa, e depois textualizado em poemas dela, expostos em mostras culturais, em eventos do CEUs, em blogs e em seu site. Um deles sintetiza seu destino, transcrevo um trecho do poema Infância em contos amazônicos: “Provavelmente, (para os outros),  o fato mais poético de minha vida \ Seja ter me criado na rua Contos Amazônicos \ Subúrbio, periferia de São Paulo. \ Mas não é assim que defino minha rua. \ Rua de fazer e viver poesias \ Rua de brincar de corda \ Emprestando minha mãe \ Que tinha o dom de transformar coisas em brinquedos...”.
Conheci a sua paixão pelo laguinho, pelos templos religiosos da região, pelas casas de cultura,  pelas histórias que me contava, pois ela trabalhou como professora nos bairros Colônia, Grajaú, Cocaia, conhecia as aldeias da região, participara  das festas de aniversário de Parelheiros, tinha os amigos que participavam das várias nações, etnias, culturas fundadoras e presentes na região.
Ela é filha de nordestinos que vieram “tentar a sorte” e, ao mesmo tempo, contribuíram com São Paulo, assim como eu sou filha de  mineiros que vieram fazer o destino em São Paulo. E se ela tinha parentes que passaram a morar perto de mim, na região de Campo Limpo, eu passava a frequentar mais Interlagos: começamos a trabalhar juntas em faculdades de ambas as regiões: “do lado de lá e do lado de cá da represa”, como costumávamos dizer, e textualizamos no poema Entrelagos.
Não sabia eu que,  depois,  também ganharia um endereço fixo em Interlagos. Há dez anos conheci quem viria a ser o meu marido,  alguém que representa bem a história da imigração: filho de alemães,  nasceu,  fixou-se , investiu como empresário  e  é apaixonado por Interlagos. Na minha vivência com ele aprendi  a enxergar a poeticidade desse lugar e a sentir saudades daqui, mesmo quando viajamos para lugares tão sonhados conhecer: ícones do Brasil e até mesmo ícones do mundo. Apaixonado por esportes náuticos, à frente do lago  Bodensee, na divisa entre Áustria, Alemanha e Suíça, ele disse algo que sintetiza Interlagos como sua pátria : “Prefiro minha represinha!”
Como em uma amizade verdadeira, vemos sim os defeitos de quem gostamos, o que não nos impedem de amar o lugar, pelo contrário, como educadora, cidadã, sou motivada não só a sonhar com uma região ainda melhor,  mas a agir , não necessariamente com grandes atos, mas com a crença  nas   pequenas semeaduras. E nisso incluem-se as palavras...
Daniella Barbosa Buttler

sábado, 20 de julho de 2013

Artigo Reescrita e releituras!

 
Com certeza, caro leitor, alguma vez ao ler um texto, assistir a um filme, novela ou peça, ou até mesmo ao ouvir uma música, você já teve a sensação de conhecer a estória, mesmo que ela não tenha no título ou no enredo uma explícita relação com outra obra.
Em tempos de muitas produções, é difícil falar em autenticidade de ideias ou palavras. Uma música do grupo Legião urbana proclama “sei que às vezes uso, palavras repetidas, mas quais são as palavras, que nunca são ditas?”.
    Durante nossa vida adquirimos muitos conhecimentos por meio de vivências como viagens, leituras, filmes, peças teatrais, visitas a museus, estórias e experiências contadas por outras pessoas  etc. Esse conjunto de conhecimentos, ao qual se domina, repertório cultural, tem um papel decisivo na leitura, na produção e na interpretação de textos. Assim, quanto maior é o repertório cultural do leitor, mais bem preparado ele está para ler com profundidade os diferentes textos que circulam socialmente e perceberá as relações entre eles, que teoricamente denomina-se intertextualidade.
    Retomemos o exemplo do Legião urbana: o filme Faroeste cabloco e Somos tão jovens. O primeiro, um desenvolvimento da música homônima; o segundo, um filme que não é biografia ou documentário, ao qual  tomamos a liberdade de considerar “ficcionalização da biografia do grupo”, no estilo de outras produções: Lula, o filho do Brasil; Cazuza; Os dois filhos de Francisco, pois se consideramos que há seleção do “como dizer”, do “como contar”, é uma recriação da realidade, uma “literarização da realidade”, como fez tão bem , por exemplo, Manuel Bandeira no Poema tirado de uma notícia de jornal e no poema Pneumotórax; ou poema Infância ou poemas sobre Itabira, de Carlos Drummond de Andrade,  só para citar dois poetas que relemos hoje, antes de rascunharmos esse texto.
     Alguns livros viram filmes, alguns filmes viram livros. Nós mesmas já compramos vários roteiros ou conhecemos a obra narrativa depois de assistir ao filme: Verônika decide morrer; Comer, rezar, amar; Crônicas de Nárnia; Harry Porter; Jogos vorazes entre outros.
     Listemos outras obras e produções brasileiras: o filme Meu pé de laranja lima, do livro de José de Vasconcelos, filmado em 1970 e refilmado no ano passado e ainda em cartaz em alguns cinemas. O auto da compadecida, de Ariano Suassuna, apresenta intertextualidade com as obras de Gil Vicente e numa leitura mais atenta, com O Mercador de Veneza, de Shakespeare. Intertextualidade com Shakespeare também aparece na novela O cravo e a rosa em  semelhanças com A megera domada,  e em todos os enredos em que personagens de famílias inimigas se apaixonam, pois logo associamos ao amor de Romeu e Julieta (obra que por sua vez, se assemelha  a uma estória grega muito mais antiga: Píramo e Tisbe).
     Aqui na zona sul de São Paulo, temos algumas peças sendo exibidas em teatros e bibliotecas da região, como “Sonho de uma noite de São João.... quer dizer: Verão!”, cujo título mostra explicitamente a relação com a obra de William Shakespeare. “Um dedinho de prosa”, que nos faz lembrar da expressão popular. O enredo é contado pelo contador de causos Professor Robson Santos. E ainda temos a peça “A volta ao mundo em 80 dias”, um espetáculo baseado na obra literária do Julio Verne.
     A lista de citações está enorme, professoras,  em tempo de férias, além de mais atenção à família, fazemos o que mais gostamos: leituras,  visitas a sebos, idas a cinema, visita a bibliotecas,  organização dos livros e DVDs, zapping pela TV com olhar atento às intertextualidades e, como na sobreposição de páginas de interrnet, uma obra leva a outra... e assim, mesmo obras já lidas são ressignificadas em novas leituras, sobretudo com os feedbacks que recebemos por e-mails dos leitores que também compartilham suas produções, leituras e experiências... e novas leituras, ressignificam a vida!
 
Texto REESCRITAS E RELEITURAS (Daniella Barbosa e Ivete Irene do Santos)
 

sábado, 13 de julho de 2013

Literatura para quê?
Tentar convencer alguém sobre a importância da literatura nesta sociedade consumista e capitalista é difícil, principalmente se levarmos em consideração as classificações apresentadas em obras sobre o tema. Em uma falsa contraposição aos textos utilitários (não-literários), a literatura é classificada como arte, mas também como não-utilitária. Texto sem utilidade, então?
    A palavra literatura vem do latim “litteris” e significa letras, por isso se associa à gramática, à retórica e a texto. Porém, não se pode pensar ingenuamente que tudo é literatura: nem todo texto  e nem todo livro publicados são de caráter literário. Definir literatura é difícil porque se trata de um conceito histórico. Se antes a literatura era feita de composições predominantemente orais e em versos, seguindo uma estrutura formal de acordo com critérios estabelecidos desde a antiguidade, nos últimos séculos sofreu uma evolução, aceitando novos gêneros e moldando-se à criação de novos meios de veiculação, como a internet. Podemos resumir que literatura é a arte da escrita em que o mais importante é o “como” se diz e não “o que” se diz. Para muitos  escritores,  a função da literatura é a do deleite. É verdade! Quem não gosta de contemplar o belo? E não significa que a literatura fale só do que é bonito, mas fala de maneira bonita sobre coisas, fatos, pessoas,  inquietudes,  alegrias e tristezas humanas. A  estética é importante. Mas essa não é a única função.
      A literatura também tem a função comunicativa: busca uma interação entre interlocutores de épocas diferentes, e  a função cognitiva, já que a literatura sempre  ensina algo mesmo quando isso não é o compromisso (e não deve ser mesmo esse o objetivo), seja por retratar, contrapor, romper os paradigmas ao que chamamos de realidade. Por exemplo, ao lermos um livro do Machado de Assis, aprendemos sobre o gosto, os valores, os costumes das pessoas daquela época. Uma fábula, narrativa com personagens animais apresentando moralidades explícitas no texto, também nos permite várias leituras. Quem não conhece uma versão da “Cigarra e a formiga”? Podemos lê-la presos ao enredo, como uma estória de dois insetos, ou como metáforas de seres humanos, ou como metáforas de uma época, ou ainda como metáforas de nós mesmos, nos dois papéis e conflitos: “quando ser formiga, quando ser cigarra?” Por isso, esse e outros textos sobrevivem por séculos, pois ainda falam à essência do ser humano.
     Há ainda as funções político-social e humanizadora já que de uma forma ou de outra  desenvolve um projeto transformador na sociedade. Citemos o livro “1984”, de George Orwel, cujas vendas dispararam no mês passado. Isso ocorreu devido ao esquema de monitoramento de dados realizado nos Estados Unidos. George Orwell foi um visionário: na ficção escrita décadas antes, a sociedade era  vigiada e controlada pelo personagem Big Brother!
      Existem  sim várias formas de conhecer a realidade, mas a literatura  pode nos oferecer elementos para entender esse mundo complexo, envolvendo-nos ou distanciando-nos dele por meio de enredos  mais realistas ou mais fantásticos. Em meio às discussões sob a humanização de máquina, sob que paradigma você lê “Pinóquio”? Ou até mesmo “João e Maria”? “Cinderela”? Citamos essas obras consideradas pertencentes à literatura infantil para ratificar: o próprio conceito de literatura muda com o tempo, por isso uma obra  lida por diferentes leitores, ou em diferentes momentos, pode proporcionar diferentes leituras.
    Temos o privilégio de ter escritores da região inscritos na história da literatura nacional: Paulo Eiró, poeta do Romantismo, cuja biografia, sucinta nas poesias, parece uma ficção; e  José Paulo Paes, escritor da terceira fase do Modernismo, que encantou adultos e crianças com seu poetar, e cita em seu livro Quem eu? sua estada em  Santo Amaro, lugar que adotou para morar. E eles deixaram herdeiros...
    Nós, moradores da Zona Sul de São Paulo, temos a honra de ter um escritor em nossa região: Olívio Jekupê, que revisita a estória do Saci, mostrando a versão (verdadeira) indígena. Ele foi convidado pela FLIPinha a mostrar seu trabalho e a palestrar junto com Ricardo Ramos, neto de Graciliano Ramos. E há outros escritores da aldeia Krukutu, em Parelheiros, como Maria Kerexu, Luiz Carlos Karai, Jeguaka Mirin, Tupa Mirin, Jera Gisela, todos autores guarani.
     Temos, também em Santo Amaro, os cordelistas Moreira de Acopiara,  Varneci e  Pedro Monteiro, todos com livros publicados. Há as escritoras  Leda Kraml  que escreveu sobre a Granja Julieta e Isaura Camila Borges e Castro, uma lusitana santamarense. Sem deixar de citar os contadores de história e escritores como a Andrea Sousa, Robson Sousa e João Luiz do Couto e outros artistas da palavra que vamos descobrindo ou redescobrindo nas casas de cultura, nos eventos, nas bibliotecas, nos sites... Todos amantes e divulgadores da literatura. Para quê? Para alimentar a imaginAÇÃO! (Daniella Barbosa e Ivete Irene dos Santos)
Edição 2724 - 13 a 19 de Julho 2013- LITERATURA PARAQUÊ?



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Crônica VERBO DAR E OUTROS TERMOS VICÁRIOS

                                                                       fonte:http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=84
 
Caro leitor, na crônica anterior apresentei uma palavra no título que não é muito adequada para um contexto formal. Você notou? “Coisa” é considerado um termo vicário, ou seja, substituto, “termo genérico”, pois “cabe” em diferentes contextos. Esse era o objetivo do título:  generalizar.
Outros termos considerados vicários são os verbos “fazer” e “dar”. Você já notou que eles apresentam, sozinhos  ou associados a outros termos, vários usos? Consultando um bom dicionário, encontram-se várias acepções. Exemplificarei:
O homem deu uma ajuda; O feirante deu-me meio quilo de uvas, O patrão deu o aumento esperado; Davam tudo para conseguir salvar a filha; É ele quem as cartas na empresa; Deu na televisão que amanhã será o dia mais quente do ano;  A enfermeira deu-lhe dois comprimidos; Deu-me um dor no estômago ao olhar a madeira que deu bicho; O relatório deu mais de 50 páginas; Um e um dão dois;  A namorada deu um beijo apaixonado; Demos um susto no amigo; Isso me dor de cabeça; O filme sono; O casamento deu-se ontem; Ele precisa dar um impulso na carreira, para dar mais lucros. Não precisa nos dar explicações; Antes de darem oito horas, voltarei; Ninguém deu ordem aos prisioneiros; Os móveis não dão na sala; Os bandidos deram azar: deram-se mal. Há muitos outras acepções do verbo “dar”, entre elas a conotação sexual,  nem sempre validadas pela norma culta, mas validadas pelos falantes.
Se em algumas situações  essa pluralidade de sentidos pode ser considerada uma riqueza da língua e ser um recurso intencional para criar trocadilhos ou ambiguidades, em outros contextos pode sugerir uma carência vocabular: a falta de conhecimento de palavras  mais expressivas e precisas, ou seja, não genéricas. As expressões “dar aulas”, “dar o presente”, “dar instruções”, “dar informações”, “dar gratificações”, por exemplo, poderiam ser substituídas respectivamente por “lecionar”, “presentear”, “instruir”, “informar”, “gratificar”. Proponho uma atividade: releia as frases do parágrafo anterior e parafraseie-as.
Se não der para fazer agora, tomara que tempo entre as comemorações de fim de ano. Aproveito para finalizar a coluna dando votos de Boas festas!
 
Edição 2697 – 21 a 27 de dezembro de 2012-página 12 - http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=84



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Crônica O nome das coisas


 
Será impossível comentar os significados das palavras e não comentar como professores foram importantes para despertar a paixão por elas. Lembro-me, enquanto escrevo este texto, da professora Aureni, professora de Língua Portuguesa da quinta série. Ela explicava a poesia contida na palavra, e não só as palavras contidas na poesia.  Já no Ensino Médio, tive outra professora marcante: Marisa Neves, que me ajudou a decidir na escolha da  faculdade: Letras, para continuar conversando com as palavras. E assim eu relia e ressignificava textos já conhecidos.
A Bíblia, tomada como fonte religiosa ou literária, explica: ao homem coube nomear as coisas. Embora o nome não tenha que ter  relação com a coisa nomeada, passa a ter, pelo uso, pela história, pelo discurso,  relação com a cultura. Por que maçã do rosto e não laranja do rosto?  Você  já pensou que “enfezado” tem a mesma raiz da palavra “fezes” ?
            Os termos “desorientado”, “desnorteado”, revelam  o destino  das navegações:  era preciso saber para onde se ia, ou para onde se  tinha que voltar. A importância das navegações também é sugerida no verbo “embarcar”. Durante  séculos, “embarcação”   era um dos poucos meios de transportes existentes, hoje quem pode, embarca no avião, no trem, no ônibus, no carro...
Referir-se a um pré-adolescente como “guri”, “piá”, “moleque”, “garoto” acaba revelando a  origem do enunciador ou do ser descrito.  “Idoso”, “na melhor idade”, “velho”, não são sinônimos perfeitos, como não são equivalentes   “broto”, “mina”, “gata”, “moçoila”, “senhorita”.
As referências aos relacionamentos também sofrem transformações: “namorido”, “peguete”, “fiquete”  são neologismos que compõe o vocabulário de jovens.
            Mas a língua pode  revelar outros aspectos: a integração de culturas. Como apresentado em colunas anteriores, “capoeira”, embora usado para designar uma luta da cultura africana, é um termo indígena.
Vários vocábulos revelam a nossa raiz indígena, ainda que abafada ou despercebida, se o nome  Brasil é  devido à planta “pau Brasil”, para muitos indígenas, este país era “Pindorama”, terra das palmeiras. Outros termos indígenas integram nosso vocabulário: “Ibirapuera” significa "madeira podre", “Pacaembu” é “arroio das pacas”; “Morumbi” é  “morro ou colina muito alta” ou ainda “mosca verde”, para outros etimologistas;  “Jabaquara” significa rocha",  "buraco",  "lugar dos refugiados";  “Moema”, personagem imortalizada por José de Alencar e nome de bairro,  significa “mentira”, falsidade" .
A consulta a  bons dicionários faz, se não a história, o significado de alguns outros termos que nomeiam bairros: “Congonhas” é  “planta da mesma família do mate”;  “Grajáu”, é  “cesto oblongo”. “Interlagos” significa  “entre lagos” ( Embora  se esteja  entre represas, o nome é sonoramente mais expressivo). O nome “Parelheiros” vem do costume germânico de fazer corridas com um tipo de carroças puxadas por parelhas de cavalos.
Os imigrantes contribuíram com a cultura e, consequentemente, com a inserção de termos que passaram a integrar a língua portuguesa, inclusive com nomes próprios. Temos, por exemplo,  simultaneamente John, João, Ivan, Hans, Jean e Jonas.
E em se tratando de nomes até eles sofrem influência da moda, tornando-se carregados de simbologia. O nome não é a própria coisa, mas quem já não pensou que se tivesse outro nome seria outra pessoa?
 

REVISTAEI artigo Desvelando as representações

 
DESVELANDO AS REPRESENTAÇÕES
Daniella Barbosa Buttler e Ivete Irene dos Santos
 
 
O ambiente humano empreende a criança numa rede de representações sociais e linguísticas, por isso um mesmo fato pode ter representações diversas, ainda que de forma sutil...
 
 
 
 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crônica Uma nova língua escrita?

                                           http://www.gruposulnews.com.br/flip.php?id=76




Continuando a temática  da coluna anterior, tratarei aqui da nova ortografia, pois embora a discussão tenha sido iniciada há mais de dez anos, pode-se considerar que ainda estamos na fase de adaptação. Com certeza, você já deve ter notado que algumas palavras tiveram a grafia alterada. “Ideia”, agora é sem acento, “heroico” também. Palavras compostas, como “autoescola”, “anti-inflamatórias”, “antirrugas” também estão regidas por novas regras.
Apesar da polêmica que o tema ainda gera, a modificação ortográfica é fato e é preciso considerar alguns dados. Não é a primeira vez que há  novas regras ortográficas, por isso, indivíduos que já eram alfabetizados na década de 70 tiveram que se adaptar às mudanças impostas pelo decreto que causou duas alterações significativas: eliminava a maior parte dos acentos diferenciais, como em “êle” (pronome) e “ele” (substantivo); e extinguia os acentos subtônicos como em “sómente”, “cafézinho”, “ chapéuzinho”.
A língua é uma manifestação cultural, mas a grafia é regida por lei, por isso, independentemente da aceitação individual, ela será cobrada nas produções oficiais; Outro item importante a esclarecer é que a nova grafia não alterará a pronúncia: o “gui” de “linguiça” não deve ser lido como o “gui” de “guidão”; “geleia” não deve ser lido com o som fechado (ê), como o pronome “você”.
O propósito da lei é a unificação da grafia, o que  deve facilitar, por exemplo, as buscas que ocorrem em pesquisas na internet, todavia, é preciso destacar que as variações de vocabulário e de significado continuarão ocorrendo: “Pai Natal”, para Portugal, e “Papai Noel”, para o Brasil; “cadarço”, no Brasil; “atracador” no português europeu, asiático e africano, só para citar duas variações.
Mas voltemos ao tema acentuação: Não há mais o acento  nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas (penúltima sílaba tônica, ou seja, a mais forte), como "centopeia, “boia”, “jiboia”.
         Não há mais acento nas palavras paroxítonas, com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo (duas “vogais” juntas na sílaba), assim,  "feiúra" e "Bocaiúva", passam a ser grafadas "feiura" e "Bocaiuva".
              Exclui-se também o acento nas formas verbais que têm o acento tônico no radical, com "u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de "e" ou "i". Formas verbais como “averigue” (averiguar), “apazigue” (apaziguar) escrevem-se assim.
Mas atenção, palavras oxítonas (última sílaba tônica) como “café”, “Paraná”, “vovô”, entre outras, continuam sendo acentuadas, pois terminam em “a”, “e” e “o”.   As vogais “i” e “u” só recebem acento na última sílaba se forem hiato, ou seja, precedidas por vogais que ficam separadas na pronúncia e, consequentemente, na divisão silábica. Os vocábulos “Grajaú”, “baú”, “Piauí”, por exemplo, são acentuados, já os termos “caju”, “Pacaembu”, “Turiaçu”, “parti (-lo)”, embora oxítonos, são grafados sem acento, pois não ocorre hiato.
Há outras regras a serem apresentadas, mas uma forma de aprendizagem não é somente com o conhecimento das regras, é também com a leitura de bons textos que já estejam escritos na grafia vigente. Voltaremos a tratar do tema reforma ortográfica, mas incitada pela crônica da professora Daniella Barbosa "Feriado, pra que te quero" e pelos exemplos aqui listados, na próxima coluna abordarei a etimologia de alguns vocábulos.
Você já sabe, se leu a coluna Ideias, cenas e palavras, que “saci-pererê” é um termo indígena. E “Grajaú”, “Caju”, “Congonhas”, “Moema”, “Interlagos”, “Pacaembu” , “Turiaçu”, “Bocaiuva”, você sabe o que etimologicamente significam? Na próxima coluna faremos um passeio pela história das palavras. Até lá!

Edição-2693 23-a-29-de-novembro-de-2012 -GRUPO SUL NEWS




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