sábado, 22 de novembro de 2014

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!

FALAR NEM SEMPRE É PRECISO!


Prometi não falar de política, e não vou falar. Meu foco serão algumas expressões e termos falados durante a campanha eleitoral. Uma das palavras mote da campanha foi "mudança", cujos sinônimos podem ser alteração ou modificação. Deduzo: falavam de uma alternância das personagens na presidência, jamais de mudança ou renovação. Outro mote foi a existência de uma terceira via de governo, todavia, ressalto, os candidatos eram os mesmos;
      Algumas pastas estão sempre como prioridade discursiva, mas nem sempre legislativa e executiva. Outro discurso emblemático é "a mudança se faz nas urnas", como uma única chance e único período para envolvimento dos cidadãos com a eleição. O processo político é contínuo, portanto, tanto a atuação do representante quanto a do povo deve ser constante e reavaliada, não no final do mandato, mas durante, sobretudo para confrontar os discursos que muitas vezes se anulam: quando candidato, enumera-se os problemas da má gestão do antecessor, mostrando-se capaz de resolvê-los. Já no cargo, usa-os como álibi para justificar a incapacidade de boa gestão e resolução dos problemas que se dizia capaz de resolver. Desculpe se generalizo, mas não é uma hipótese infundada, confronte os discursos, caro leitor, como aquelas fotos do "antes" e do "depois".
       Mas não é só nesse contexto que as palavras são gris. Fiquei inquietada com o filme Jogos Mortais, em uma cena, o sociopata justifica sua ira com um representante de seguradora de saúde afirmando: "essas empresas não cuidam nem da saúde nem da doença!" Vou além, desculpe-me se generalizo, mas nunca vi efetivamente uma ação política para a saúde, muito menos para o doente. Visar à saúde implica propiciar uma vida qualitativa, por isso engloba outras pastas: educação, desenvolvimento urbano, segurança, saneamento, acesso ao básico e ao essencial não para a sobrevida, mas para a vida. E não adianta considerar a ascensão social como uma conquista pessoal, que o cidadão deve de maneira individual buscar o seu desenvolvimento. Como na matemática, os indivíduos podem até ter, embora digam o contrário, valor relativo e valor absoluto, mas, em sociedade, problemas individuais refletem no coletivo e problemas sociais refletem no indivíduo. Doença, violência, trânsito, só para apresentar exemplos verossímeis, não respeitam limites geográficos determinados por ruas ou bairros.
 
 
    Mas não é só no contexto político que palavras são usadas de maneira imprecisa. Os termos "fidelidade" e "lealdade", muito discutidos à luz da modernidade dos relacionamentos ganham matizes: ao refletir com um amigo sobre o livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman, ele ousou definir de maneira lúdica e irônica: "fidelidade é , apesar da vontade, não trair a confiança" e " lealdade é, avisar da possibilidade inevitável da traição". Outra palavra mal utilizada no contexto amoroso é "companheirismo", remetendo ao desejo de ter uma pessoa na caminhada da vida. Grosso modo, queremos uma pessoa que nos siga, compactuando com os nossos projetos, mas sem a devida reciprocidade, pois ceder, mudar é difícil. Desejamos que o outro seja como idealizamos e, preferencialmente, que sejamos o que ele idealiza, para que assim não proponha a alteração da rota traçada para o percurso da vida ou da nossa personalidade. Desejamos que o outro mude, mas quando somos cobrados a mudar, dizemos em tom determinante: "Sou assim mesmo"!
       Há outras antíteses nos discursos: "Ser pai é maravilhoso!" e "Não sei o que faço com meu filho!"; " Amo os filhos igualmente!" e " Cada um é de um jeito!"; "Você é meu único amor!" e " Esse é o meu terceiro cônjuge"!; "Sem ele eu não viveria!" e "Matou-o porque não podia viver sem ele!" Está bem, caro leitor, talvez não sejam antíteses e sim ambivalências. Melhor, talvez expressem o desejo da verossimilhança: o amor textualizado nas músicas românticas, o beijo matinal apaixonado encenado num filme, a esperança de um futuro melhor materializada no filho que nasce, a chance de recomeço projetada no novo ano, a crença do final feliz no relacionamento iniciado, o sonho das solução dos problemas financeiros na escolha dos números da loteria.
        Penso: as palavras mais imprecisas e camaleões são "ilusão" e "desilusão". Se iludir-se é deixar-se enganar, alienar-se... é também sonhar, ter esperanças. Nessa acepção, desiludir-se seria uma pena, pois a lucidez às vezes é uma luz que nos cega. A literatura paradoxalmente nos ilude e desilude: na metaforização da vida, aprisiona e liberta. Lemos só, mas temos a companhia das personagens, ela nos faz pensar e nos provoca a agir. Como ficção ou biografia aponta para outras realidades possíveis e passíveis.

sábado, 1 de novembro de 2014

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE!





Para muitos cientistas, o melhor exemplo da inteligência do homo sapiens não é sua capacidade tecnológica de criar, mas a consciência da morte e a capacidade de atribuir simbologia às coisas.

Para os outros animais, a morte está associada a respostas atávicas,  justificadas pela busca da sobrevivência: o gafanhoto-fêmea  e a viúva negra alimentam-se de seus parceiros após a cópula; o leão mata os filhotes de outros machos e para estimular a fêmea a ter novo cio e descendentes seus, perpetuando os genes dele.

A morte não é só fenômeno biológico, é cultural e, para muitos, espiritual. Se quando e onde começa a vida é um questionamento polêmico, o mesmo acontece com a morte.  As religiões visam explicar e, simbólicos que somos, criamos rituais para a passagem espiritual  e para a permanência, senão do corpo, da “memória”.

O que era tematizado no Romantismo coexiste discursivamente ainda hoje. Em produções funerárias, como epitáfios, é impossível encontrar uma referência negativa à biografia. "Basta morrer para virar bonzinho!",  já ouvi de coveiros.  Os obituários de jornais  também tratam de registrar os feitos e as biografias, com matizes do estilo documental e literário.

 A expressão “não ter onde cair morto” pode ser mesmo literal, pois há mausoléus mais caros que alguns apartamentos, sobretudo pelo valor do condomínio da última morada.

Há necessidade de enterrar os mortos, por isso a busca de corpos em tragédias: o luto precisa ser vivido, precisamos dos rituais fúnebres, rápidos em algumas culturas, demorados em outras, mas existentes em todas. A dor precisa ser personificada no corpo que jaz. Mesmo a cremação, para muitos uma ação ecológica e desprendida, também é metafórica: as cinzas estarão em um lugar significativo para o ente querido.

A alegorização da morte em festas de Hallowen, em sambas-enredos, em filmes de terror-com personagens que transitam entre os chamados dois mundos- ajuda a lidar  com a tanatofobia.  Na história em quadrinhos da Maurício de Sousa produções, a Turma do Penadinho, com personagens como Muminha, Alminha, Cranicola, Frank,Lobi,  Zé Cremadinho  dona Morte, Zé Vampir, entre outros, apresenta de maneira cômica e catártica aquilo que para muitos seria mórbido.

O  medo da morte alude ao medo do esquecimento, o pavor  da finitude. O filme O preço do Amanhã figurativiza essa perspectiva.  Preocupados com o tempo restante, as personagens são aprisionadas aos dígitos integrados ao seu corpo como uma bomba-relógio e ao receio do furto do bem mais precioso. Deveria ser o contrário, e às vezes é.  Alguns doentes, certos da limitação da vida, vivem melhor; cientes da brevidade, descobrem a diferença entre o tempo cronológico e psicológico. Carpe diem passa a ser bem  interpretado: há de se aprender com a morte  a como viver, pois o que há entre  o nascimento e a morte é a vida;

A imortalidade não se restringe  aos literatos, estende-se  a todos os indivíduos, pelos feitos. Realizações rendem nome de ruas, de municípios, de instituições entre outros registros na História, na Cultura e na Geografia.

Um provérbio sintetiza: "Ninguém fica para semente". Concordo, com ressalvas pois "deixamos sementes".  Talvez o dia dedicado aos finados  exista não para ressaltar a ausência de quem se foi, mas para relembrar  sua presença genetica, ideologica, discursiva ou sentimentalmente.

Sincreticamente crio  minha metonímia particular: esses três dias, de reflexões pagãs e religiosas, são um lembrete: De que um dia não estaremos mais aqui?, você deve estar se questionando. Não, a mensagem é:  AINDA ESTAMOS AQUI!

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Só (vírgula) o escritor é feliz!







Gazeta  do BROOKLIN & CAMPO BELO
 Edição 970 - 25 a 31 de Outubro de 2014p.6



Já escrevi em outras colunas sobre o papel da leitura na transformação da vida das pessoas, como possibilidade de vivências. Volto ao tema devido às reflexões provocadas  por  alguns leitores com quem troco correspondências e de quem também sou leitora.Trocamos relatos sobre a inquietude e a satisfação que é escrever, a audácia e a presunção que é tentar Ser poeta em um mundo caduco!
Obras literárias metalinguísticas já trataram do tema, Musica ao longe  é intratextual com a obra Clarissa. Ambas, de Érico Veríssimo, têm a mesma protagonista. O título remete a uma frase, “música ao longe”,  presente em uma das obras de Paulo Madrigal, autor favorito da Clarissa, leitora que o idealizava, por isso ao conhecê-lo desiludiu-se.
Já outra Clarice, a Lispector, a autora, escreveu o livro Um sopro de vida, que embora não seja  autobiográfico, por meio da ficção acaba remetendo à temática processo criativo e vivificação das personagens.
Walcyr Carrasco desabafou em uma crônica que sente saudades de suas personagens. Eu, como leitora participante, fico pensando na continuação depois do ponto final:  O que aconteceu às personagens?”, indago. Por isso gosto tanto da obra Historia meio ao contrário, de Ana Maria Machado, que começa com " E foram felizes para sempre";  tenho coletâneas de paródias,  como as do livro Que história é essa?, de Flávio de Sousa, que a apresenta contos tradicionais sob a perspectiva das personagens secundárias.
É como se ao criar narrativas pudéssemos criar a vida, ou como se fôssemos um psicógrafo de narrativas, como tematizado por Fernando Pessoa. Às vezes fazemos o projeto e o perfil das personagens e as ações são consequência desse rascunho traçado que começa a se desenrolar. Mas e se escrevemos  um relato biográfico? Transformado em ficção torna-se um recorte emoldurado pelas costuras que tecemos à rememoração, à reflexão, usando recursos da poeticidade, buscando o belo, mesmo que fale de tristeza. O escritor aprende a valorizar a vida, pois nunca está  só: cria personagens, recria situações, reescreve o passado, digere o presente e poetiza o futuro.
Mesmo relatos avulsos, como os da artista  Cátia Rodrigues, organizados no livro Janelas no tempo, apresenta as características de escrituras literárias citadas acima. O  título “janelas” sintetiza a possibilidade de abertura mas a janela não existe no espaço geográfico, somos surpreendidos: como crônicas interdependentes são marcações no tempo. Mesmo escrita em primeira pessoa, a obra  não é um relato pessoal, é o registro livre de uma época e da condição humana, por isso paradoxalmente singular e plural; marca de um tempo e atemporal.  A poeticidade está na seleção de palavras, no lirismo e,  mesmo o tom subjetivo trata das questões do coletivo, quando registra as inquietudes da multidão, no questionamento se a internet rouba ou maximiza o tempo. Nos porquês e para quês das coisas, da existência e dos sentimentos. Com o estilo drummondiano modernizado em O observador no escritório, Cátia é uma observadora na rua, na escola, em casa, em eventos... na vida.
O título desta coluna ambíguo, encerra um paradoxo,  é uma provocação.  Não acho que somente os escritores sejam felizes, e não acredito que escritores fiquem sós.  Seja escrevendo, lendo, observando a vida (alimento de ideias), estão cercados. Escritor escreve   sobre o que sente, pressente, observa, imagina e idealiza: as palavras ávidas por vidas registradas, fazem-lhe companhia!







quarta-feira, 15 de outubro de 2014

QUE VENHA (A) O VINHO!

Revista AESUL - Set-2014



É interessante como alguns frutos estão presentes em vários elementos da cultura. A uva é uma delas, desde os tempos bíblicos, desde os tempos gregos... Cultura, ato de cultivar, plantar (agricultura) e cultura, meio social.  Não à toa apareça nos rituais religiosos, no velho testamento, no novo testamento, como o primeiro e polêmico milagre de Jesus, o de transformar água em vinho, como símbolo do sangue de cristo. Na mitologia grega, Dionísio é o deus do vinho, Baco, na mitologia romana daí, por extensão, o termo bacanal. Reside na etimologia a polêmica sobre as passagens bíblicas, sobre o ser ou não o vinho embriagante: “Tirôsh” é vinho não alcoólico, mas o termo mais usado na bíblia é  “Yayin”, que serve para os dois usos: “vinho alcoólico e vinho não alcoólico”. O mesmo acontece com o termo grego: “oinos”, que serve para os dois e, “sikera” e “gleukus”  para vinho alcoólico.
Mas o vinho também está presente na cultura brasileira, seja por herança cultural seja por paladar... seja linguisticamente, “enólogo”, por exemplo, é uma palavra de origem grega, “enos” é transformação de “oinos”; Outra definição também é importante: nem todas as uvas servem para vinho. Uvas viníferas, próprias para o vinho e não para a alimentação, e as não-viníferas, que servem  para alimentação. Um vinho muito consumido mais simples, mais popular, oriundo de uvas consideradas não viníferas. Mas linguisticamente, no nome há um paralelismo com o “Sangue de Cristo”,  o nome tem uma relação com o sagrado, como se o animal tivesse sangrado para dar algum prazer ao degustador.  Também é preciso diferenciar vinho de champanhe e até mesmo de vinagre. Nada melhor que conhecer essas informações conhecendo os lugares de produção.
Dois lugares no Brasil são os principais produtores: no Rio Grande do Sul e em Pernambuco perto do outro Rio Grande, o do Norte. Em São Paulo também há São Roque, nas  Minas Gerais,  Andradas.
Visitar uma vinícola é um passeio encantador, uma viagem geográfica, histórica e cultural. geralmente nas parreiras, se der sorte da visita ser no verão, ver-se-ão as parreiras cheias, belíssimas; se for no inverno, secas,  mas  não sem vida, Depois das parreiras, estão hibernando.  Depois, passa-se pelos corredores tomados por barris, se for uma vinícola antiga ou por tanques de inox, se for moderna e  termina com um breve curso com o enólogo. 
Nada como um profissional para explicar... Com este profissional tem-se a oportunidade de aprender outras coisas  além de como se faz e como se toma vinho. E claro que é interessante saber que o primeiro sentido aguçado é o olfato, por isso a importância de cheirá-lo antes de levá-lo a boca. Claro depois de muitas mexidas na taça. Mexer o vinho não é frescura. Não se trata de um ritual injustificável. Ao sacudir a bebida, a oxigena-se e o aroma fica mais apurado.    Na taça não se  pode pegar no bojo só na haste ou na base. Um creme ou do suor da mão pode deturpar o aroma do vinho, além de alterar a temperatura.
Quem não pode ir às vinícolas pode ir às adegas, empórios, como as existentes na nossa região. Foi há quatro anos,  num passeio a Caxias do Sul, que  o Senhor Dário P. Santos, morador da zona sul de São Paulo  trouxe   garrafas de vinho  para compartilhar com sua tertúlia. Confeccionou alguns rótulos personalizados para presentear  alguns deles. Ao perceber a reação positiva dos presenteados e as constantes solicitações, início a SP Vinhos.
Um bom vinho ou um bom suco de uva está relacionado à culinária- haja vista pratos que utilizam-no, a rituais, à simbologia, a etiquetas sociais, a  eventos: confrarias, tertúlias, encontros românticos... Ou simplesmente para a degustação  e brinde a saúde e à saúde !
Daniella Barbosa e Ivete Irene dos Santos

 


sábado, 2 de agosto de 2014

UM VIVA AOS IMORTAIS

 
Nós, como amantes das letras, sofremos as perdas que ocorreram nesse mês. Definimos como perdas literárias porque a existência física desses autores permitia  a lembrança constante, sobretudo à nova geração, que mediada por tantas tecnologias, precisa ter materialidade do autor para um processo de concretização cognitiva: “o escritor  existe” e ainda pode falar sobre sua obra. Não há dúvidas que esses autores são imortais.  Não só porque compõem  academias de letras  e ao falecerem tem seus restos mortais associados a mausoléus ou monumentos,  mas também por  suas obras serem imortais transpassando  o tempo e as mídias, fazendo com que  jovens midiáticos possam conhecer as obras em outros formatos. A citar, como exemplo, o fato de Millôr Fernandes, falecido em 2012, ser o homenageado na Flip 2014.
Julho foi um mês de luto! Quatro autores deixaram um legado importante  para a cultura brasileira. 
Rubem Alves foi escritor, educador e teólogo. Seus livros abordam temas existenciais, não limitados à religiosidade, mas à cidadania e à formação holística do ser-humano. Reescreveu e polemizou estórias clássicas, como  “Caindo na Real - Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual”, Pinóquio às avessas”, “Sobre príncipes e sapos”. Foi membro da Academia de Letras de Campinas e teve repercussão internacional.
A Academia Brasileira de Letras foi marcada por três perdas.  Ivan Junqueira tem um poema metalinguístico significativo à literatura e à educação: “Que será o poema, /essa estranha trama/ de penumbra e flama/ que a boca blasfema?// Que será, se há lama/ no que escreve a pena/ ou lhe aflora à cena/ o excesso de um drama?/ Que será o poema:/ uma voz que clama?/ Uma luz que emana?/ Ou a dor que algema?”. Esse poema registra o poetar presente não só no poema, mas a todo gênero literário: a literatura pode e deve tratar sobre todos os temas e mais que trazer respostas pode e deve provocar o leitor.
João Ubaldo Ribeiro em seus textos provocava com  termos vulgares e palavrões, que embora espantassem leitores mais puristas, traziam proximidade a outros, por seus personagens verbalizarem o pensamento sobre temas cotidianos e expressões cristalizadas, como  “Deus é brasileiro”, obra adaptada para o cinema. Outra narrativa famosa, "A Casa dos Budas Ditosos" foi adaptada para o teatro, como um monólogo interpretado por Fernanda Torres. Outra obra expressiva é "Um brasileiro em Berlim," a visão do cronista não só sobre sua estada na Alemanha, mas uma proposta de reflexão sobre a própria pátria, em comparação a outra nação.
Já outro autor, Ariano Suassuna, dedicou-se ao registro da cultura nacional, sem excluir a influência das outras culturas na nossa. A peça "Auto da Compadecida" é considerada o texto mais popular do moderno teatro brasileiro. Nela, Suassuna conta a história dos amigos João Grilo e Chicó, que andam pelo sertão. Há uma mescla de diversas figuras de linguagem nordestinas com elementos dos cordéis e as formas clássicas de auto e farsa. Seu sucesso foi tão grande que foi adaptada para o cinema e a televisão. Suas palestras, entrevistas, também eram famosas pois ele acaba se caracterizando como um contador de causos...
 Evocamos: “um viva seja dado aos imortais!” não só com homenagens, mas com revisitações a suas obras, em leitura e releituras! E que haja muitos herdeiros e discípulos, pois assim suas obras e existências terão valido a pena. 
Daniella Barbosa Buttler e Ivete Irene dos Santos

domingo, 27 de julho de 2014

Não meta fora as metáforas!

 
Edição 2776 (26.07 a 01.08.2014)
                                     
Existem alguns livros, ou imagens, que funcionam como chave para despertar a lembrança de um fato ou de alguém. Impossível, nas férias, não olhar os meus álbuns e não pensar na viagem que fiz ao Chile, e não pensar nas minhas buscas mais literárias: a compra dos menores livros que tenho, entre eles O pequeno príncipe, do tamanho de uma caixa de fósforos, e a visita à casa de Pablo Neruda.
Impossível não pensar nesse autor e não me lembrar do filme O carteiro e o poeta e não querer assisti-lo novamente. Impossível não assisti-lo e não pensar na pesquisadora Mara Sophia Zanotto. Não, caro leitor, ela não é uma pesquisadora de literatura chilena, mas de metáforas, e por extensão, de poesias, embora metáforas não se restrinjam ao discurso literário. Exemplifico em uma digressão oportuna: Quem nunca disse as expressões "Fulano está de braços cruzados", "Ele anda de cabeça baixa", "Estava atrasado, vim voando", " Fiquei de cabelo em pé com o que ouvi", "Ela é uma mão-de-vaca!?"
Mesmo expressões já cristalizadas, nem percebidas como termos figurados, ou seja, não-literais, podem ser considerados como metáforas ou mais especificamente catacrese: "engatar o carro", "céu da boca", "batata da perna", "dente de alho", "braço da cadeira"...
No filme O carteiro e o poeta, baseado no livro de Antonio Skármeta , ao carteiro que se torna seu fã e amigo, Pablo Neruda numa conversa explica a função da metáfora:
"Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra. (...) Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?"  e Marcos responde: "Ora, fácil! Que está chovendo, ué!"
 
A personagem parece não aceitar o termo técnico "E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?" mas em outro trecho diz identificar-se com a poesia de Neruda, como se sentisse aquilo sugerido na poesia, mas não conseguisse dizê-lo tão bem como o autor. E talvez essa seja a função da metáfora, sugerir o indizível, pode haver um nome técnico para "maçã do rosto", por exemplo, mas é tão mais poético assim dizê-lo.
A professora Mara (doce, ao contrário do que esse radical sugere) não é poeta, mas propõe, em suas pesquisas, como trabalhar a interpretação de poesias, com um técnica "Pensar alto em grupo". Não quer dizer que tudo que "enxergamos" em uma poesia é aceitável, para a leitura ser válida, deve ser justificada com elementos do próprio texto, ou a partir do texto, mas aquela pergunta presente em vários questionários: "o que o autor quis dizer no trecho x ?" é indevida, pois, embora seja validada ou não pelo texto, não se encerra na validação do escritor. Quantas vezes lemos um texto de própria autoria e nem nos lembramos das motivações ao escrevê-lo? Não quer dizer que o texto não continue tendo sentido.
Retomando o livro / filme O carteiro e o poeta, citemos o carteiro Marcos, que poetiza a apropriação que os leitores fazem de um texto: "A poesia não pertence a quem a escreve, mas a quem precisa dela".
A poesia não é só o que está escrito, mas o que lemos dela. Outra passagem do livro/filme significativa para mim é "o mundo inteiro é metáfora para outra coisa qualquer", ou seja, há poesia na vida, se enxergamos; e vida na poesia, se a lermos. A poesia, e por extensão o texto literário, é uma forma de explicar, registrar e sentir a vida pois, como sucinta o educador Paulo Freire, "a leitura de mundo precede a leitura das palavras!" e acrescentamos: se complementam e se ressignificam!

 
 
 
 
 


 
 


 
 

 

 
 

 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!

 
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
Já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!

sábado, 5 de julho de 2014

Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!

Fadas madrinhas: dos contos de fadas à biografia!
 


Caros leitores, vocês sabem de meus interesses lingüísticos. Como professora de Língua portuguesa, interesso-me pela magia das palavras presentes no discurso sob suas várias roupagens, dentre elas a poeticidade da literatura. Já revelei também minha paixão pela família e pelo lirismo que é acompanhar o desenvolvimento de um ser ética e moralmente. Comentarei aqui o tema "madrinha", pois esse termo embora seja constantemente associado à questão religiosa, em cerimônias de batismo, casamento e formatura, está relacionado também à literatura: A casa da madrinha, de Ligia Bonjuga é uma dessas obras, além dos contos com fadas ou outras personagens adjuvantes que ajudam o protagonista.
Para mim que não tenho irmãos, sim sou órfã fraterna, só restou o papel de prima, e acho que seria restritivo ser chamada genericamente de tia. Que bom que a vida deu um jeito de unir pessoas e possibilitou um outro traço à concepção de família: as amizades, e tornei-me madrinha, tomei crianças como aFILHadas, talvez como o mais perto que pudesse ser de mãe e de fada, inspirada nas pessoas que foram importantes para mim como madrinhas.
Eu tive uma madrinha oficializada em cerimônia religiosa, a Madrinha Edinete, da qual ganhei a primeira boneca de pano e o Surileia Mãe Monstrinha, de Eva Furnari, que muito me ajudou a aprender a dividir a mãe e compreender a necessidade de minha mãe trabalhar fora. Tive várias fadas madrinhas, Elizete Roncato que me ensinou tantos dos valores morais éticos que hoje tenho e me ensinou a sonhar , patrocinando os primeiros materiais escolares, as primeiras idas a cinema, as assinaturas de jornais. Zélia Borges, que mais que minha orientadora foi minha fada madrinha pois acreditou em mim em apenas uma conversa sobre a paixão por Monteiro Lobato. E se tornou parte da minha vida.
Tenho, há 20 anos acompanhado a trajetória de alguns seres que, como disse, tomei como afilhados e aí criei a intertextualidade com outro conto : Branca de neve e os sete afilhadinhos, embora estivesse mais para palhaça, pois em festas familiares e na Fundação Marcio Eduardo Barone Brandão, onde era madrinha voluntária, fazia animações de palhaça, ora com meus primos, ora com meu amigo Jaime.
Meus afilhados, agora adolescentes, Bianca, Agnes, Thaíse, Kauê, Jeisy, Douglas e outros que adotei sem o vínculo religioso (Lucas, Rafael, Beatriz, Pâmela, Paloma, Pepê, Marina, Juninho, Gabriela, Vanessa, Andressa ) eram meus álibis para os filmes infantis.
De certa forma, seja madrinha pelo aspecto religioso cristão, seja pelo símbolo pagão presente nos contos de fadas, madrinha é aquela que está ao lado, como fada, se não para realizar os desejos, para ajudar na concretização dos objetivos e na caminhada da vida.
Abraço, agora, a nova geração, e sou abraçada por eles, aumentando a corrente familiar: Gustavo, Manuela, Sophia, Ester, Arthur, Ana Luiza, Pedrinho, entre outros. Afirmo sempre: não fiquei para titia, fiquei para madrinha, no doce papel de inventar e viver histórias de afetos.

sábado, 7 de junho de 2014

LIVROS para ser LIVRE


No dia 18 de abril comemorou-se o Dia do Livro Infantil e o aniversário de Monteiro Lobato, considerado o pai da Literatura Infantil Brasileira.  No dia 23 de abril foi comemorado o Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor. É oportuno, portanto, que comentemos sobre livro e leitura, pois são temas para inesgotáveis reflexões.

Livro é associado ao contexto escolar, pois, muitas vezes, o contato que as pessoas têm, senão é restrito a esse contexto, é permeado pela memória das experiências discentes. Isso é lamentável, pois na sociedade letrada todos são  responsáveis pelo estímulo à leitura. Não estou isentando o papel da escola, pelo contrário, – como foi discutido na coluna em que escrevi José Paulo Paes –, a escola é formadora de leitores: apresentando obras e os autores considerados clássicos na tradição escolar e na tradição cultural, pelos recursos linguísticos e literários e pelo próprio enredo. A literatura considerada clássica ou universal se torna atemporal por tratar de temas arquetípicos e metaforicamente adaptáveis às várias situações. Um best-seller pode se consagrar pelo tema e pela vendagem, mas não necessariamente se perpetuará como um texto clássico pelas qualidades textuais. Isso não quer dizer que devam ser menosprezados. Inicialmente defendemos: quaisquer e todas as leituras são válidas, sobretudo para a aquisição de acervo e repertório, para a comparação de enredos, estilos, gêneros... Mas informação é diferente de conhecimento. Enquanto aquela é geralmente superficial e efêmera, essa é acumulativa.  Por isso a busca, em uma sociedade, é por uma leitura qualitativa, fruitiva e estimulante psicológica e cognitivamente.

Há livros e livros, e o contato com várias obras deve ser incentivado por todos. Para os bebês já existem os livros de pano e os livros de plástico. Para as crianças há os livros só de imagens com os quais elas podem criar as narrativas. Mas os pais podem e devem contar estórias.  Antes do contato decodificador com as letras, há o contato visual, material e tátil com o livro. Assim como no processo de desenvolvimento da fala, a audição de estórias é um estímulo para a criação e recriação oral e depois escrita.

            Assim como os brinquedos, os livros devem estar acessíveis às crianças, espalhados pela casa, como estão os outros objetos. E nas datas comemorativas, por que não presentear com livros?  Alguns dirão: “Puxa que chato, livro de presente”. É preciso associar: livro é tão legal, que é presente de aniversário, de dia das crianças, de natal... E mais que  discurso, deve ser prática de pais, de educadores e da sociedade. Pais devem estar com livros, revistas e jornais à mão. Em quais cenas de uma novela se vê alguém lendo um livro?  Mesmo em filmes essa cena é rara e, geralmente, quando aparece, tem um caráter explicitamente artificial e didático. Quantas vezes na minha infância ouvi adultos dizerem “Se fizer bagunça, vai ficar de castigo estudando ou lendo!”. Por isso, posso dizer que há muito tempo percebo um desincentivo à leitura, mas isso não é impossível de reverter, pois vejo também práticas incentivadoras, ainda que tímidas.

            Em parques públicos há bibliotecas, há quiosques de leituras, associando leitura a lazer. Em estações de metrô, há máquinas que vendem livros, associando a leitura a uma utilização produtiva do tempo em trânsito e convidando a um deslocamento para o conhecimento, para outros mundos tematizados na obra.

            Hoje, há os e-books, há bibliotecas virtuais, acessíveis a um clique do computador ou do celular; há também as estórias adaptadas para outras mídias. Mas já defendemos em várias colunas que as formas de divulgação de cultura não são excludentes, então por que temos que nos furtar do contato com os livros?

sábado, 17 de maio de 2014

VOGAIS!

 
 
Ainda sobre letras e melodias: vogais.
 
Quando questionado quantas vogais temos no alfabeto é comum dizer cinco. Há de fato cinco letras, mas os sons são mais: doze. Constate a pronúncia das mesmas vogais em cAsa, cANto,vocÊ, cafÉ,ontEM, PIauÍ, AmendoIM, vovÔ, cOMpra, dÓ,cajU, rUM.
Reiteramos o que afirmamos na coluna anteior: fonema (som) é diferente de letra. São doze os fonemas vocálicos:  a ou á, ã (an ou am); é, e ou ê, en ou em;  i ou í, in ou im; o ou ô , ó, on ou om; u, un ou um. Mas qual a diferença entre vogais e consoantes? Vogais são aqueles sons produzidos  com a passagem livre do ar pela boca.  Faça o teste, você consegue pronunciar as vogais com a boca aberta. Já as consoantes são um fonema pronunciado com a interrupção do ar. Faça o teste, você não consegue pronunciar as consoantes sem utilizar os dentes, língua ou lábios. Na formação das sílabas, ou seja, emissão de voz, é sempre necessária a presença de uma vogal, ou seja, a consoante precisa dela para formar sílabas e ser pronunciada. A vogal, não. Separe as sílabas de “amor”, “homenagem”, “abstrato”.
Algumas curiosidades ainda sobre letras e fonemas: o “h”, na língua portuguesa, é considerado uma letra, mas não um fonema (na língua inglesa, há palavras em que o “h”é consoante, como em “hot-dog”). O “w”, ora é consoante, como em Wagner, ora é vogal, como em Wellington.           
Você deve ter notado que, em alguns exemplos, letras que são consideradas consoantes foram grafadas em caixa alta (maiúsculo). Quando o "m" e "n" acompanham uma vogal para indicar nasalização, eles são uma letra, mas não são  fonemas independentes. Esse fenômeno chama-se dígrafo: "duas letras, um só som".  Em sílaba final, a nasalização do "a" é apresentada pelo til (~), um sinal gráfico, e não acento, como muitos associam. Há também dígrafos compostos só por consoantes, mas isso será tema da próxima coluna. Até lá!

sábado, 26 de abril de 2014

Para onde as ondas do rádio me levam!

 
Cresci ouvindo o rádio, devido à influência dos meus pais. E cresci no sentido metafórico e literal. Dependendo do turno da escola, acompanhava os programas durante um ano, como novelas, ou como jornais. Digo que cresci metaforicamente porque parte do meu interesse como amante das narrativas se deu por ouvir as narrativas de cartas, as histórias biográficas: quadros como o Que saudade de você!, do Eli Correia; De Coração para coração, de Paulo Lopes; e os desabafos das amigasouvintes de Paulo Barbosa.

Não eram só as histórias que me interessavam, mas também o que tornava a narrativa sedutora: a maneira envolvente de tecer o fio da trama,, criando o clímax e o suspense; o lirismo de transformar um relato em uma homenagem; mesmo uma história comum, era instigante para muitos ouvintes, que se identificavam naqueles vieses emprestados da experiência do outro. Algumas cartas relatadas no programa Eli Correia até viraram livro e outras histórias com tons de terror e misticismo ganharam encenação em programas de TV.

Reforço: não era a história em si, mas a maneira de narrar, as escolhas de palavras, a condução da narrativa que causava a repercussão entre os ouvintes. E como eram narrativas orais, a maneira do locutor impulsionar a voz, fazer as pausas, fazer as repetições, alongar a palavra, imitar os barulhos, era o que me envolvia. Gil Gomes é imortalizado como um ícone das histórias de crimes, de lendas urbanas, de casos enigmáticos. Confesso, gostava dos medos que eu sentia, de histórias que pareciam inacreditáveis de tanta maldade impregnada na trama.Eu preferia acreditar que eram mesmo ficção.

Ouvia também os programas dedicados a músicas românticas, programas que se encerravam com relatos de histórias de amor. Também achava interessantes as reconstruções da narrativa que tornavam as histórias emocionantes fazendo crer que os tais contos de fadas e contos de amor não faziam parte apenas da literatura, mas também de documentários e de biografias. Eu e minha prima Lu ficamos horas conversando sobre o que escutávamos e projetando como seria o futuro.

Como eu já relatei em outra crônica, na infância, o meu acesso a livros era limitado,e mesmo a televisão tinha os horários definidos devido às tarefas domésticas. Os programas de debates, sobretudo do Paulo Lopes, ajudaram na minha formação crítica, pois apresentavam pontos de vista diferentes e discutiam os temas contemporâneos, com participantes especialistas nos temas, mas também dando voz ao ouvinte. Hoje ouço os programas nos arquivos dos sites das rádios e, em um dia, consigo ouvir meses e meses dos quadros.

Ainda ouço rádio, sobretudo no trânsito, mas agora ao encontro de músicas. Digo ao encontro de músicas, porque, como brinco, são as músicas que nos escolhem, surpreendentemente. É fácil, com tanta tecnologia, selecionar as músicas que se quer ouvir: estão quase todas lá na internet, senão nos pendrives ou nos cds. Ouvir a rádio não é selecionar a música, é ser escolhido. Quantas vezes vezes, não fui resgatada por uma música da infância, e abduzida pelas memórias...?

Uma música me levou ao encontro de uma cena esquecida. Foi uma música dessas que me fez lembrar das experiências de infância e adolescência (uma"leitura" da vida por meio do rádio) e me despertou a vontade, naquele momento, de sintonizar o rádio no AM e reencontrar também os radialistas que ainda fazem companhia, do bom-dia ao boa-noite, à dona Irene, minha mãe.



domingo, 13 de abril de 2014

Ainda sobre sons e melodias!


TREINANDO A LÍNGUA!

Ainda sobre letras e melodias
É comum quando questionados quantas letras há  no alfabeto, respondermos 23. Mas com a reforma ortográfica, o "k", "y" e "w" são considerados pertencentes ao nosso alfabeto, totalizando 26 letras. E por falar do termo “alfabeto”, esse nome é a junção do nome de duas letras gregas "alfa" e "beta", correspondentes ao nosso "a" e "b". Na verdade, temos influência de outras culturas, mas a origem de nossa língua é a latina, como o espanhol, o italiano, o francês e o romeno, por isso é mais fácil aprendê-las (e confundi-las) pela similaridade da origem.
            Na década de 90 uma música fez muito sucesso, nas versões em espanhol, Amores Extraños,de  Laura Pausini;  em italiano, foi interpretada por Renato Russo,  Strani Amori , e  em português tornou-se Amores estranhos, interpretada por Jayne. Outra versão, a interpretada por Andressa, foi trilha sonora da novela Anjo de mim. A existência de várias versões remete a outra discussão: não há tradução perfeita, há adaptações culturais, sobretudo em música para manter o ritmo e mesmo a expressividade do sentimento. Mas voltemos a tratar de alfabeto, de letras e de fonemas, incitados pela música ABC do sertão:" Lá no meu sertão pros caboclo lê/Têm que aprender outro ABC (...)/Na escola é engraçado ouvir-se tanto "ê"/A, bê, cê, dê,/ Fê, guê, lê, mê,/ Nê, pê, quê, rê, /Tê, vê e Zê".
            Letra é diferente de fonema e nome da letra é diferente do nome do fonema. Todo fonema consoante é lido como "ê" (som aberto). É aos fonemas que Luiz  Gonzaga, rei do baião,poeticamente se refere.
 

sábado, 5 de abril de 2014

JOSÉ PAULO PAES: um poeta (em) especial!

 
Edição 2760 - 05 a 11 de Abril de 2014 p.5
 
Caro leitor, já comentei sobre José Paulo Paes, escritor que morou em Santo Amaro e de cujas obras gosto muito. Nesta coluna comentarei o livro autobiográfico Quem eu?. Ao contrário do que sugere o subtítulo, "Um poeta como outro qualquer", para mim é um escritor bem especial pelas temáticas e lirismo apresentados em seu poetar, mesmo na prosa.
A narrativa autobiográfica é iniciada com o capítulo intitulado "A casa". Embora não acredite em predestinação, Paes afirma não poder deixar de acreditar que o local de nascimento e primeira infância, uma casa ao lado de uma livraria, possa ter influenciado nos rumos de sua vida.
No capítulo "O grupo", retrata como "desasnou", ou seja, aprendeu a ler e se tornou, segundo a sociedade, ser pensante. Ele ressalta a parte desagradável da escolarização, dos livros impostos à leitura contrapondo-a outras lembranças de leituras prazerosas: "Das leituras como momentos de entretenimento e prazer a que entregamos quando nos dá na telha e que por isso mesmo são tão diferentes da obrigação escolar a ser cumprida a tempo e hora." E lamenta: "Pena que a leitura dos livros como meio de distração para as horas de lazer não seja hábito na maioria dos lares brasileiros. Se fosse, a escola não teria que impor às crianças e adolescentes esse tipo de leitura para tarefa de casa". Porém chega a uma conclusão conformista: " De qualquer modo, antes ler um livro por obrigação que não ler coisa alguma".
A intertextualidade aparece na obra quando o autor cita que leu várias estórias do Sítio do Picapau Amarelo, "criada pela imaginação de Monteiro Lobato", revelando que punha em prática, com seus amigos, as brincadeiras tematizadas em As caçadas do Pedrinho.
O leitor acompanha sua chegada a Araçatuba para cursar o Segundo Ginásio, sua ida a Curitiba para cursar Química, e como foi acontecendo a sua formação poética.
Em "O laboratório" sabemos da conciliação entre os dias de estágio e as leituras, da sua volta a São Paulo, para trabalhar numa indústria, do seu encontro emocionante e divertido com Monteiro Lobato.
Conhecemos Dora, a bailarina do Teatro Municipal, com quem ele se casou em 1952. Sabemos da morte de sua única filha que nem chegou a ser batizada, mas ganhou um poema.
Cansado da rotina do trabalho e "de comum acordo com Dora", resolveu dar uma guinada na vida, "procurando uma atividade profissional mais consentânea com a sua vocação". O poeta acabou arranjando emprego numa editora de livros, para a qual já fazia trabalhos avulsos. Lemos em "A passagem", o desabafo de Paes se intitulando escritor: "Digo escritor e não poeta, porque poesia não é profissão. É uma vocação, uma paixão, uma mania se quiserem, mas nada tem a ver com a luta de subsistência: dificilmente um poeta conseguiria viver dos ganhos auferidos com a publicação dos seus versos." Sabemos, por meio de seu texto, dos bastidores frustrantes da editoração, dos livros dignos de serem publicados mas que talvez não tivessem boas vendas .
Ficamos sabendo do seu olhar atento aos poemas já prontos, encontrados no dia a dia, em placas, numa frase dita, dos quais ele se apropria. Tomamos ciência, também, da triste coincidência de fatos: enquanto escrevia a biografia de Heinch Heine, poeta que compôs seus últimos poemas em meio às dores de uma atrofia muscular progressiva , sua doença circulatória se agravava, fazendo Paes "viver entre dois mundos". Escreve, materializando sua dor e perda, Ode a minha perna esquerda: "a cicatriz psicológica deixada pela amputação fechou-se definitivamente com o poema nela inspirada".
Ele conta ao leitor como nasceu É isso ali, seu primeiro livro de poemas infantis, inspirado nas brincadeiras verbais que costumava fazer com seu sobrinho.
Até então seguindo a cronologia para organizar seus relatos, em "A outra casa" ele retorna à temática infância. Ele guardava boas lembranças com ele, mas a casa se esvaziava, ficava em ruínas e um dia deu lugar a uma edificação: "Como voltar, se as cidades são no tempo não no espaço?"
Essa casa não pertence só ao passado, mas à imaginação: "Os capítulos dessa história de vida estão sendo escritos numa outra casa, aquela que eu e Dora construímos com a argamassa dos sonhos e os suores do rosto".
Finalizando a narrativa, Paes faz um lembrete àqueles que desejem ser poetas: "Não basta querer ser: tem-se de merecer ser." Inspiremo-nos! E que mereçamos ser poetas!
 
 

domingo, 23 de março de 2014

LITERATURA INFANTIL: da oralidade às mídias

Edição 939 - 22 a 28 de Março de 2014
 
 
 

Caro leitor, o tema literatura infantil e sua apropriação pelas mídias é tão intrigante, possibilitando tantas reflexões, que é possível voltar a ele em muitas colunas. Sempre me questionam se acredito que a literatura deixará de existir com as novas mídias ou se acho negativa a existência de versões que mudam o original.

O conceito "original" é polêmico, pois as narrativas eram orais, dessa forma, fica impossível afirmar qual seria o texto-base, precisaríamos de um instrumento (gravador) ou de um suporte (papel), o que não existia em época em que muitos textos, considerados literatura infantil ou texto original, foram criados. Considerei o papel, na afirmação anterior como um suporte, mas reportando (ou deturpando) alguns pesquisadores, como Chartier (Inscrever e apagar: Cultura, escrita e literatura e Aventura do livro: do leitor ao navegador) e Marshall McLuhan (Os meios de comunicação como extensões do homem), pode-se considerar o papel e o livro como mídias e, mesmo na oralidade, o corpo pode ser considerado uma mídia, daí decorrem o sucesso dos contadores de estórias que usam a voz, as mãos, a expressão como recursos, e a síntese apresentada no adágio: "quem conta um conto, aumenta um conto!"

A presença de contos, de personagens pertencentes à literatura infantil, sobretudo em livros didáticos, na mídia, torna-os acessíveis a várias crianças, por isso compete ao leitor, ou aos pais e educadores, a mediação não só com essa tipologia de texto, mas com as produções existentes, pois o discurso pode ser utilizado como mantenedor ou polemizador da realidade. Por utilizar persuasão e convencimento, um único foco pode ser tomado como uma verdade incontestável e a única versão certa, sobretudo em textos que explicitem uma moral, como as fábulas e os contos de fadas. Trabalhar com a diversidade de versões é então muito produtivo no desenvolvimento da criticidade. Deve haver só uma versão dos fatos?

Vários autores ocupam-se em revisitar textos que inicialmente pertencem à literatura infantojuvenil, mantendo e/ou ainda modificando as moralidades, os finais. É preciso lembrar que a ideologia e a mensagem presentes no discurso são produzidas por sujeitos inseridos num contexto social, e é na interação, sociedade-indivíduo (autor) e leitor-obra que a linguagem ganha significado. Cada nova criação é um convite para a leitura das versões anteriores. Um mesmo texto relido em contextos diferentes provoca diferentes leituras.

Conheci as obras de Monteiro Lobato pela escola e pela dramatização. A televisão, na minha infância, era mais acessível que os livros. Só depois, quando comecei a estudar, tive acesso aos livros, na escola. Conheci as histórias em quadrinhos na pré-adolescência e, graças à minha madrinha Elizete Roncato, professora, era assinante, porque gostava de ler e de emprestar aos seus alunos e afilhados, para estimular a leitura. Sou leitora, até hoje, dos gibis da Turma da Mônica, e encontro em várias estórias alusão a acontecimentos, personagens reais, além de narrativas que fazem referências a textos da literatura infantil, como a coleção que inclui dois almanaques dedicados à reedição de algumas dessas histórias: Mônica superestrelas e Mônica fábulas. Cada releitura que faço é realmente uma releitura, pois faço associações com novos textos e com novos temas, enxergando o que eu não percebera antes.

Atualmente há vários filmes, peças teatrais, jogos eletrônicos que tematizam os contos tradicionais. Cabe a nós professores, pais, educadores, ou "simplesmente" leitores, como incitado no início, refletir como e por que os textos permanecem ao longo do tempo, permeando as várias construções e (re)construções textuais, pois nessa relação simbiótica, a Mídia, a produção editorial, a exploração pelas artes auxiliam na difusão dos contos na mesma relação circular que faz com que esses contos sejam utilizados por pertencerem ao imaginário cultural. Continuemos imaginado!


Ivete Irene dos Santos: Mestre, pesquisadora e professora nas áreas Letras, Educação e Tecnologias (Universidade Presbiteriana Mackenzie). www.ivetando.pro.br; iveteirene@gmail.com


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